Diana Tavares, jornalista e mestre em Comunicação de Ciência
Quer atravessemos a avenida principal da cidade de Almada ou a Rua dos Pescadores, na Costa da Caparica, rapidamente percebemos que os fumadores não têm onde colocar as beatas de cigarro.
Durante os dias 15 a 23 de abril, ocorreu em Portugal, por iniciativa do ativista alemão The Trash Traveler, a maior recolha de beatas do mundo. Pessoas de todo o país uniram-se a esta causa e recolheram cerca de 650 mil beatas. Em apenas duas semanas, chegaram quase ao número assustador de um milhão. Um valor que, na iniciativa anterior, tinha sido conseguido em dois meses.
Em Almada, a Planet Caretakers, organização de voluntariado ambiental em que estou envolvida, fez três ações. A primeira em Cacilhas, em que os participantes não saíram de perto das árvores plantadas à porta do cais; na Rua dos Pescadores, Costa da Caparica, e por fim na Mata dos Medos, como parte de uma recolha normal de lixo. Com cerca de doze pares de mãos, facilmente chegámos aos doze litros de beatas de cigarro recolhidas no concelho de Almada. Muitas mais ficaram pelo caminho, para frustração de alguns voluntários.
O tabaco é considerado por várias entidades ambientais em todo o mundo como um dos detritos mais impactantes no nosso ambiente. A produção contribui para a desflorestação e ocupação de solos e a produção gastam imensa água. Por ano, entram em circulação mais de 6 mil milhões toneladas de novas beatas no nosso planeta.
São o lixo mais comum do planeta. Não são biodegradáveis, demoram 10 anos a decompor-se e libertam químicos como nicotina, chumbo (que pode afetar negativamente o nosso cérebro), arsénio (que pode afetar os nossos pulmões) e formaldeído. Estes químicos entram no nosso solo e na nossa água e, quando comidos acidentalmente por peixes, no nosso prato.
Este texto não é para apelar à culpa nem para convencer a deixar de fumar. Apesar de existir muita informação publicada sobre o lobby das tabaqueiras e de como o marketing das mesmas é bastante apelativo, por muitos estudos que se publiquem sobre os males do tabaco, não é sobre isto que quero escrever.
Em vez disso, quero falar sobre como utilizar projetos de urbanismo para tirar as beatas da nossa rua. Pois há outro fator comum e assinalado pelas pessoas com quem falamos na rua cuja solução é apontada e pedida por muitos. Os cinzeiros públicos nas portas dos estabelecimentos. Quer atravessemos a avenida principal da cidade de Almada ou a Rua dos Pescadores na Costa, rapidamente percebemos que os fumadores não têm onde colocar as beatas de cigarro.
Não há caixotes do lixo durante vários metros nas ruas e os que existem nem de perto nem de longe têm um design que comunique bem que lá podem colocar as beatas de cigarro. Mas onde a situação se nota mais é nas zonas de restauração e bares. Nem todos têm cinzeiros públicos à porta.
Se conseguimos criar toda uma cultura à volta da utilização dos ecopontos com a instalação de um conjunto em cada rua, não podemos fazer o mesmo com os cinzeiros?
Na Rua dos Pescadores, rua central para o lazer “em terra” das nossas praias, apenas um restaurante tem um vasinho preparado para os fumadores à porta. Em Cacilhas, uma pobre planta é sacrificada pelos vários funcionários dos restaurantes, com todas as beatas apagadas e por vezes espetadas na terra.
Se conseguimos criar toda uma cultura à volta da utilização dos ecopontos com a instalação de um conjunto em cada rua, por vezes dois, não podemos fazer o mesmo com os cinzeiros? Sim, temos de desencorajar o consumo de tabaco. Mas da mesma maneira que as pessoas continuam a usar plástico de uso único e lentamente apresentar as alternativas e mudar hábitos, as pessoas também continuam a fumar.
As recomendações já foram dadas, com dados locais e soluções pedidas, por exemplo, nos Açores. Aqui, no continente, Almada podia dar o exemplo, fazer a diferença. No voluntariado falamos com muitas pessoas. Algumas, donos de loja ou restaurantes. E alguns já tentaram ter uma boa atitude para este problema, mas queixam-se de que os cinzeiros são roubados. Aqui, a Câmara poderia pensar numa solução. Pequenos contentores que possam ser pregados às paredes, com um design que passe claramente a mensagem para que propósito servem, com uma cor chamativa, que não deixe margem para dúvidas.
Se o apelo à reciclagem foi público e feito nas ruas, porque é que o apelo ao consumo de tabaco mais responsável não o pode ser também?
https://almadense.sapo.pt/cidade/planet-caretakers-a-missao-de-recolher-lixo-que-nasceu-em-almada-e-se-estendeu-ao-pais/