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“Não temos solução de longo prazo”: após saída do Cais do Ginjal, moradores pedem respostas

Ocupantes dos edifícios em risco do Cais do Ginjal foram esta quinta-feira retirados e instalados de forma provisória na Escola Anselmo de Andrade. No entanto, lamentam que não lhes tenha sido dada uma solução habitacional permanente. “Não temos onde morar”, dizem.

 

Yasser Fati não conseguiu dormir no pavilhão da Escola Secundária Anselmo de Andrade na noite de quinta-feira, dia 10 de abril. “Só entrei na escola esta tarde porque ontem à noite cheguei depois das 23h e já não me deixaram entrar”, conta ao ALMADENSE, ele que morava num dos edifícios devolutos do Cais do Ginjal há mais de 12 anos. Foi uma entre dezenas de pessoas que, no último dia, se viu obrigada a abandonar aquela área, interditada pela Câmara Municipal de Almada (CMA) por questões de segurança.

O processo de mudança para a escola decorreu ao longo de quinta-feira, com as autoridades e a Proteção Civil a instarem a comunidade de moradores dos edifícios do Ginjal a desocuparem o local. Para já, e até as aulas serem retomadas, vão ficar alojados num dos pavilhões da escola do concelho de Almada. Depois, daqui a sensivelmente 10 dias, ainda não se sabe. “Não temos solução de longo prazo”, lamentou Yasser Fati. “Estamos a tentar marcar outra reunião com a presidente da Câmara para que nos dê uma resposta plausível. Não somos gado, somos pessoas que trabalham e temos direitos. Estamos a tentar encontrar uma solução”, acrescentou.

 

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Yasser Fati habitava o Cais do Ginjal há mais de dez anos. Maria João Morais / Almadense

A medida veio virar do avesso as vidas de quem há vários anos chama casa ao Ginjal, habitando naquela zona em condições precárias e sem acesso a meios básicos, como água e luz. “Não temos onde morar. Não temos capacidade para arrendar uma casa. Não é fácil”, disse ao ALMADENSE Edmilson Furtado, outro morador do Ginjal. É trabalhador no setor da construção civil e agora também está provisoriamente no pavilhão escolar. “Não tinha grandes posses, por isso não trouxe nada”.

 

“Estado de degradação da zona não deixou outra opção”

A desocupação foi anunciada na quinta-feira de manhã, numa conferência de imprensa que contou com a Presidente da CMA, Inês de Medeiros (PS). “O estado de degradação da zona não deixou outra opção que não a interdição, com base em questões de segurança”, justificou a autarca almadense.

Face ao “risco extremo” de derrocada das construções ocupadas junto ao Cais do Ginjal, foi acionada uma Zona de Concentração de Apoio à População (ZCAP), que estará disponível durante duas semanas. “Os serviços identificaram uma população flutuante, de cerca de 50 pessoas, entre as quais se encontram crianças”, admitiu Inês de Medeiros.

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Situação no Ginjal é de “risco extremo”, afirmou Inês de Medeiros. Luís Filipe Catarinho / CMA

Com efeito, quem passar na zona do Cais do Ginjal encontra agora um portão fechado à chave, apenas acessível às autoridades e aos proprietários do espaço. Quem vem de Olho de Boi, logo a seguir aos restaurantes Ponto Final e Atira-te ao Rio, encontra o mesmo cenário — uma barreira que se estende das paredes em risco de queda até ao rio. Para já, a interdição foi decretada até ao dia 1 de maio, mas é expectável que se prolongue. “Esperamos que seja pelo período mais curto possível”, acrescentou Inês de Medeiros.

 

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“Câmara deve acionar mecanismos”, diz Joana Mortágua

Esta sexta-feira a vereadora do Bloco de Esquerda (BE), Joana Mortágua, visitou os moradores temporariamente alojados no pavilhão da Anselmo de Andrade. Aos jornalistas, a autarca manifestou “preocupação com o futuro” desta população. “Temos que garantir que desta situação de emergência as pessoas saem para condições de habitabilidade que tenham a mínima dignidade. Para isso, a Câmara tem que acionar mecanismos nacionais”, defendeu.

Considerando “prioritária” a reabilitação do Ginjal, Mortágua deixou também críticas à inação das entidades tanto locais como nacionais. “O Cais do Ginjal foi abandonado durante décadas. E os territórios, quando são abandonados, não ficam vazios, são ocupados por pessoas que lhes dão vida. Há uma comunidade no Cais do Ginjal que fez dali um espaço artístico, com amigos, comunidade, vizinhança” disse, acrescentando que “a melhor forma de garantir que o território está bem cuidado e reabilitado é haver uma reabilitação pública por parte da CMA para que as pessoas tenham condições para lá viver, e não termos mais situações destas em que o perigo é iminente”.

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Portão foi também instalado junto ao restaurante Atira-te ao Rio. Maria João Morais / Almadense

Para já, está marcada para o próximo dia 14 de abril uma reunião entre a CMA e a Administração do Porto de Lisboa (APL), com vista a clarificar a jurisdição e as responsabilidades sobre a zona do Ginjal. De acordo com a autarquia, os serviços sociais estarão também a analisar cada uma das situações dos moradores, por forma a determinarem qual a solução mais adequada para cada um.

Ao todo, são várias dezenas as pessoas temporariamente alojadas no pavilhão escolar. A transição “foi amigável”, mas ainda há alguns moradores em falta, conta Yasser Fati. “Continuamos à procura de algumas pessoas. Garantimos que todos vinham para cá, mas alguns fugiram. Chegaram quatro ou cinco esta sexta”. Quanto às famílias com crianças — pelo menos três —, foram instaladas também de forma temporária em pensões.

Joana Mortágua salientou ainda que esta caso está longe de ser único e, na sua ótica, é sintomático do problema geral da falta de casas no país e no concelho em particular. “É preciso resolver a crise da habitação, controlar as rendas, ter habitação pública. Só assim é que travamos a multiplicação destes casos”, considerou. Lembrando que “ninguém mora sem condições porque quer, mora porque não tem alternativa”, a vereadora garantiu que o BE continuará a acompanhar a situação.

A rapidez com que o processo de desalojamento decorreu foi criticada pelo movimento Vida Justa. “A intervenção foi muito repentina, o que provocou uma instabilidade enorme junto dos moradores”, disse ao ALMADENSE Isabel Ramos, que tem estado a acompanhar a situação dos residentes no Ginjal. Além disso, “não se percebe o que vai acontecer depois das duas semanas. Não sabemos qual será a solução definitiva, por isso, há uma grande incerteza”.

Ao longo das próximas semanas, os ocupantes do Cais do Ginjal continuarão na Anselmo de Andrade, à espera de respostas. “Voltámos a ser refugiados dentro de Portugal”, desabafou Yasser Fati. “Esperamos que encontrem uma solução”.

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Câmara de Almada instala portão para impedir acesso ao Cais do Ginjal

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