Vereador na Câmara Municipal de Almada com os pelouros do Ambiente e Espaços Verdes, Nuno Matias (PSD), defende que não se pode impor às pessoas a utilização dos modos de transporte suaves. Na segunda parte da entrevista ao ALMADENSE, o candidato da coligação AD (centro-direita) à presidência da autarquia, fala sobre políticas de mobilidade, de organização do espaço público e de habitação.
A reorganização do espaço público é um assunto que vem ganhando centralidade nas cidades europeias, que têm implementado mudanças que privilegiam os modos suaves, pedonais e cicláveis. No entanto, no último mandato, em que o PSD tinha estes pelouros, em Almada não se avançou muito nesta matéria.
Não tenho dúvidas de que o futuro passa por criar redes de mobilidade suave. Aquilo que acontece hoje em dia é que não temos um sistema de transportes que seja uma verdadeira alternativa ao modo individual. Eu conheço muitas cidades europeias por razões profissionais e nessas cidades os transportes estão coordenados. Este trabalho de rede é o que permite, na prática, organizar o espaço. Se hoje em dia a opção é gastar mais de uma hora em transportes, mais vale ter o veículo individual. Esse paradigma de organização da cidade carece não só da intervenção da Câmara, mas dos operadores de transporte público e de uma lógica metropolitana de organização do território. Se tivermos as empresas em Almada passamos a estar mais perto do local de trabalho e aí já pensamos em ir a pé, de bicicleta ou utilizar o transporte público. Há um paradigma de vida na cidade que tem que ter várias respostas e a resposta não é só retirar o espaço para o carro andar. Eu sou muito favorável a esta política de descarbonização e de transição energética. Mas não podemos de repente dizer às pessoas: esqueçam o uso do veículo ou deixem de andar nas ruas com ele porque isso não é sério. Não conseguimos mudar o nosso modo de vida de um dia para o outro.
Mas há também pessoas que dentro do concelho mesmo em trajetos curtos preferem usar o veículo individual. Não será porque a própria organização do espaço público em Almada privilegia o automóvel em relação aos modos suaves?
Isso acontece porque na maior parte dos casos as pessoas a seguir têm que fazer um percurso que já não é tão curto. Por isso, nas requalificações que fazemos, temos estamos a planear, sempre que possível, um espaço canal para a mobilidade suave. Por exemplo, a obra da avenida do Mar vai ter ciclovias.
De acordo com o projeto divulgado, vai ter ciclovias no passeio.
Não, vai ter vertentes só de ciclovia. Também a obra que vamos fazer na Estrada Florestal vai ter uma zona de ciclovias.
Vai ter um canal partilhado entre bicicletas e peões.
Mas aí tem mesmo que ser partilhado porque não há espaço canal que permita fazer de outra forma.
Tanto num caso como no outro não se retira espaço ao automóvel. Retira-se apenas espaço ao peão.
Não tenho essa visão porque nestes casos o peão não tem espaço nenhum. Na avenida do Mar e na Estrada Florestal não há sequer passeios. A minha opinião é que temos que fazer uma transição equilibrada procurando dissuadir as pessoas a usar o veículo e procurando encontrar paradigmas de soluções alternativas em que a pessoa veja que é competitivo deixar de usar o seu carro. Temos que perceber que não podemos de repente impor isso às pessoas porque o seu modo de vida não se consegue mudar de um dia para o outro.
Não se trata de impor, mas de criar condições para que as pessoas possam optar por modos de transporte suave. Muitas pessoas em Almada têm bicicleta e não a podem usar porque não há uma rede ciclável.
Mas vou-lhe dar um exemplo. Em dado momento tornou-se o centro de Almada pedonal. Eu fui sempre contra isso. Sou favorável a partes pedonais e na requalificação da artéria principal isso tem que existir. Para bicicletas e para peões. Mas não se pode de repente mudar de paradigma de uma só vez. Porque Almada tem esta morfologia urbana e territorial. Não conheço nenhuma grande cidade europeia que tenha estes constrangimentos do ponto de vista do planeamento. Almada quando nasceu não foi pensada numa lógica de rede. Mas para que possamos agir sobre o espaço público, temos que ter empresas em Almada, para que as pessoas estejam mais próximas do seu posto de trabalho e ter um sistema de transportes articulado. Portanto, a mensagem não é apenas criar a ciclovia por si, é criar uma série de motivos para que a ciclovia seja uma alternativa viável e que ao existir seja utilizada. Não vale a pena estarmos a criar ciclovias se não vamos ter utentes.
Geralmente a existência de ciclovias atrai utilizadores.
Não digo que não.
E a única ciclovia que existe em Almada nunca foi requalificada…
Não há dúvida. A vertente aqui é esta: para incentivar os transportes suaves temos que criar uma série de respostas que não é só a criação de ciclovias: é a criação de emprego em Almada, é a requalificação do espaço público e de uma rede de transportes.
E isso está a ser pensado de forma integrada?
Estamos a começar a agir em artérias fundamentais e estratégicas do concelho, que não havia. Essa lógica de rede tem que começar a ser implementada. Mas não é suficiente por si mesma. A lógica de desenvolvimento de uma cidade não é só ter a estrada asfaltada.
Para promover a mobilidade suave pretendem avançar com outros estímulos como um sistema de bicicletas partilhadas?
Futuramente, quando a rede [ciclável] estiver um bocadinho mais consolidada podemos também trazer um sistema de partilha [de bicicletas]. Mas para isso é preciso uma rede mais consolidada. Tentámos estudar criar um sistema aqui no Parque da Paz. Mas tem que haver uma rede um bocadinho mais densa para ser atrativo, porque não vai ser a Câmara a comprar um sistema de bicicletas, como é óbvio. Tem que haver um operador que queira investir.
Em Lisboa o sistema de bicicletas partilhado é da Câmara.
Mas Lisboa é um pequeno país do ponto de vista de receita. Almada infelizmente ainda não é. Não temos a mesma capacidade de investimento do que Lisboa. Portanto tem que haver uma lógica em que se envolva parceiros.
“Não é em três ou quatro anos que se corrigem 40 anos de erros”
Outro grande desafio em Almada tem a ver com o estacionamento. Por um lado, muitas pessoas que têm automóvel têm dificuldade em encontrar lugar e, por outro, muitos moradores querem circular nos passeios e não conseguem porque têm carros estacionados. Qual a sua visão para solucionar este problema?
Infelizmente voltamos sempre ao mesmo: o planeamento nunca existiu. Deixou-se construir na cidade uma volumetria de espaços habitacionais que não foram compensados com espaços públicos de enquadramento ou de estacionamento. Por exemplo, no prédio onde eu moro foi autorizado pela Câmara há décadas o uso comercial da garagem. Enquanto almadense choca-me que uma Câmara permita este tipo de alteração de uso que desequilibra o funcionamento da cidade.
Terá sido feito numa altura em que havia menos carros a circular na cidade…
Seja como for, a gestão de uma cidade faz-se a pensar em gerações. Quando se olha para o espaço público, temos que pensar como é que ele se pode desenvolver em décadas e quais as condições de qualidade de vida que queremos dar às pessoas. Quando se permite que se construa com tanta densidade, é um erro, quando se permite construir prédios de 30 fogos e depois não se cria o estacionamento adequado… a cidade depois não estica. Não se planeou sequer um carro por fogo, temos uma pressão que é quase impossível de corrigir.
Esse é o diagnóstico do que nos trouxe até aqui. Que solução propõe para esse problema?
A solução é evidentemente ter cada vez mais espaços públicos de enquadramento. As pessoas têm que perceber que cidade temos e que encontrar uma solução equilibrada para uma cidade que nasceu desequilibrada. E esse desequilíbrio só se corrige com soluções de proximidade.
Refere-se à construção de parques de estacionamento?
Não é construir parques de estacionamento. É ter uma lógica de estacionamento diferente. Hoje em dia temos muitas zonas de residentes que não têm uso misto. E temos menos lugares para residentes do que devíamos. Aquilo que está pensado para o novo regulamento de estacionamento é um uso mais misto, que permita ter mais lugares. Não para incentivar o uso do automóvel. É para enquadrar as pessoas que já o têm. Porque não se pode dizer às pessoas por decreto: vocês agora vão ter que vender o carro. Têm é que ser incentivadas a deixar de ter utilidade para tanto carro. Mas uma cidade não se constrói de um dia para o outro.
Então a que tipo de “soluções de proximidade” se refere?
Temos espaços que hoje em dia estão desqualificados. Por exemplo, na zona do Centro Sul estava previsto haver um silo automóvel para que as pessoas pudessem deixar ali o carro e depois pudessem apanhar o sistema de metro para ir para a cidade. Portanto, no âmbito da requalificação urbanística, que se prevejam silos automóveis que permitam criar uma rede.
Não se deveria também reforçar a fiscalização do estacionamento em cima do passeio e das ciclovias?
Ainda não está tudo reorganizado. Tem que haver reorganização. Não há dúvida que ainda há muito a fazer. Uma das coisas que as pessoas não podem deixar de reconhecer é que na área das redes viárias e da mobilidade temos estado a tentar reorganizar o espaço público. Mas a mensagem central é que não é em três ou quatro anos que se corrigem 40 anos de erros.
“Temos que acabar com as barracas e os bairros clandestinos não podem voltar a aparecer”
Outro dos grandes desafios em Almada tem a ver com a habitação. Estamos num concelho onde existem ainda bairros de barracas.
Almada deve ter um modelo de habitação municipal que não seja apenas um programa de habitação social. Precisa de ter um projeto sustentável de realojamento das pessoas que têm direito a esse realojamento. Temos que acabar com as barracas e os bairros clandestinos não podem voltar a aparecer. Aquilo que aconteceu em Almada foi que acabavam as barracas em Oeiras, na Amadora, em Lisboa e apareciam em Almada. Importámos esse problema. Temos que ter uma estratégia habitacional que realoje, mas que não seja apenas para acabar com os bairros, que têm que ser erradicados. Mas tem que haver também fiscalização. Por isso é que somos favoráveis à criação de uma Polícia Municipal porque a Câmara tem que conseguir identificar uma nova barraca e não permitir que ela ali fique. As pessoas têm que perceber que construir de forma clandestina não é solução. Almada tem que ter uma política de contenção deste tipo de bairros. Depois tem que integrar as pessoas e ter uma política de coesão social.
Qual a sua proposta para enfrentar esta questão?
Na minha opinião podemos implementar um modelo de construção sustentável, que englobe não só habitação social, mas também de jovens. Um modelo de construção a custos iminentemente controlados, em que uma parte é para o mercado, outra para jovens e outra para realojamentos.
Mas numa iniciativa municipal?
Através de parcerias entre o município e promotores. Pode haver sistemas de incentivo em que, por exemplo, quem constrói em vez de pagar taxas à Câmara pode libertar alguns fogos para este tipo de soluções: alojamento social e para jovens. A autarquia pode abdicar em parte de taxas de urbanização ou de construção para que uma parte desses lotes esteja alocada a este fim.
Defende também uma vertente de habitação acessível, que não existe em Almada?
Não existe e deve existir. Uma proposta de alojamento de pessoas numa ótica integrada.
Pensa que a questão da habitação é sobretudo uma responsabilidade do Governo central ou também da autarquia?
A minha ideia é que se está no território de Almada a Câmara não pode deixar de ter responsabilidade. Durante muito tempo perdeu-se muito tempo a gritar que a culpa era dos outros e a pedir aos outros para fazerem coisas. É verdade que é uma responsabilidade do governo central, mas a Câmara também tem que ter um papel reformista, que ajude a construir soluções. A Câmara não pode assobiar para o lado.
Leia também a primeira parte da entrevista, sobre temas como economia, comércio local e as expectativas para as eleições autárquicas.
https://almadense.sapo.pt/cidade/entrevista-a-nuno-matias-psd-se-os-almadenses-se-mobilizarem-podemos-ganhar-as-eleicoes/