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Almada

“Era um serviço ótimo”, mas agora está “o caos”: operação da Fertagus continua a gerar queixas

Ao ALMADENSE, utentes do comboio da ponte relatam um “transtorno muito grande”, que se mantém desde que os horários foram alterados. Reclamam soluções, mas o problema está longe de ter fim à vista.

 

“Chego a deixar passar dois ou três comboios”, assume Rosa Costa, de 61 anos. Moradora da Margem Sul, utiliza o comboio da Fertagus desde o início do serviço, há 25 anos. Atualmente, entra na estação do Pragal, em Almada, atravessando a ponte rumo a Entrecampos, duas a três vezes por semana. “Até há pouco tempo nunca tive razões de queixa, era um serviço ótimo”, relata ao ALMADENSE. Quando falamos com ela, regressa a casa no final de mais um dia, que já vai longo e começou, como se tem vindo a tornar hábito, com confusão, atropelos e atrasos. “Não percebo porque é que isto aconteceu assim tão de repente”.

“Isto”, claro, refere-se ao excesso de ocupação do comboio suburbano da ponte — um cenário que se tem vindo a tornar habitual desde dezembro passado, sobretudo de manhã durante a hora de ponta. A situação coincidiu com a altura em que a Fertagus anunciou um aumento na frequência do serviço desde Setúbal, passando os comboios a sair da capital de distrito de 20 em 20 em minutos — mas apenas com quatro carruagens. Nas semanas que se seguiram à mudança, os relatos dos utentes descrevem uma situação caótica na linha ferroviária, com comboios sobrelotados e atrasos constantes e comboios sobrelotados, particularmente nas estações de Corroios e do Pragal, as últimas antes de Lisboa.

Aos meios de comunicação, a operadora tem admitido ter conhecimento de algumas “situações anormais”, mas garante que a mudança na oferta serve para melhor colmatar as necessidades da população do distrito de Setúbal. Uma visão que não é partilhada no terreno, com inúmeros relatos de uma quebra acentuada na qualidade do serviço e situações de pessoas a não conseguirem entrar nas carruagens. Há até quem se sinta mal devido à sobrelotação, cenário a que Rosa Costa já assistiu. “Acho que quem decidiu devia andar nos comboios, para ver como é”, desabafa.

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Pelo meio, várias são as associações de utentes que afirmam estar há anos a alertar para problemas no serviço da Fertagus. Dizem estar em causa questões estruturais, ligadas ao crescimento demográfico das periferias da Área Metropolitana de Lisboa (AML), bem como à falta de atualização da oferta de um serviço que se mantém inalterado desde 1999.

“[O serviço] começou a operar com dezoito carruagens. Hoje continuam a ser dezoito”, sublinha Aurora Almeida, da Comissão de Utentes dos Transportes da Margem Sul (CUTMS), que há anos vinha alertando que o crescimento da região e do número de passageiros do serviço da Fertagus carecia de um aumento correspondente do material circulante. Uma situação que, diz Aurora, tornou-se agora evidente. “Estamos de acordo com o aumento da oferta para Setúbal, é mais que justo para as populações. Agora, não podemos ter um aumento da procura e manter os mesmos recursos”.

 

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Fertagus registou um aumento de 30% na procura desde que os novos horários entraram em vigor. Bruno Marreiros / Almadense

No seu entender, o problema da sobrelotação começou a formar-se em 2019, com a introdução do Navegante Metropolitano, reduzindo drasticamente o valor do passe Fertagus (que chegou a custar 90 euros). “O aumento da utilização dos comboios da Fertagus era previsível desde a introdução dos passes Navegante AML em 2019, que tornaram o serviço mais acessível a quem tem menos capacidade económica”, explica ao ALMADENSE a associação Inspira Mobilidade. Os números da empresa corroboram esta leitura: nos últimos cinco anos, a procura aumentou em 100%, estimando-se que mais de 100 mil passageiros usem o serviço diariamente.

Muitos destes utentes vêm de Setúbal, onde até há poucos meses os comboios da Fertagus eram apenas de hora a hora. Uma realidade à qual se junta o crescimento exponencial dos concelhos da periferia de Lisboa, como Almada, em virtude do aumento dos preços da habitação na capital do país.

A solução de encurtar os intervalos do comboio suburbano surgia assim como uma tentativa de melhor servir a população local, mas na prática não foi isso que aconteceu, já que os comboios vindos de Setúbal dispõem apenas de quatro carruagens, e não oito, como acontece com aqueles que saem de Coina.

 

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Aumento de 30% na procura

Ao jornal Observador, a empresa indicou que os novos horários resultaram num aumento de 30% na procura por parte dos utentes, número que admite ser “ligeiramente acima do estimado”, mas que não surpreende a Comissão de Utentes. “A altura para monitorizar não foi a melhor e criou um enviesamento. Fazer a monitorização a 15 de dezembro, época festiva, as escolas estão fechadas… claro que a afluência não correspondia à realidade. E partir de dia 15 as universidades reabrem para o novo semestre. Se agora já está o caos, imagine como é que vai ficar”, diz Aurora Almeida.

Com efeito, não é preciso ser há muito utente da Fertagus para notar diferenças. Sanuca, 37 anos, chegou de Angola há precisamente dois meses, e ainda apanhou a mudança. “A princípio achei normal, a própria empresa comunicou”, recorda ao ALMADENSE, acrescentando no entanto que cedo começou a notar alterações. “O que foi mal feito é que houve uma redução das carruagens na hora de ponta. Hoje, por exemplo, tivemos de ir todos abraçados, foi um deus nos acuda”, diz, ele que apanha o comboio em Corroios e segue todos os dias até Sete Rios.

Até agora nunca chegou atrasado ao trabalho, mas admite que a alteração o obriga a sair de casa mais cedo. “Por volta das 6h30 já estou na rua”, afirma. Rosa Costa corrobora. “É um transtorno muito grande para quem tem horários para cumprir, para quem tem vida familiar”. As queixas motivaram a empresa a partilhar publicamente informações sobre a lotação dos comboios, aconselhando os utentes sobre qual as melhores horas para usufruir do serviço. E, como Rosa, vários são os utentes que preferem chegar atrasados ao destino a viajarem como “sardinhas em lata”. “Antes, não demorava mais do que 12, 15 minutos. Agora chego a levar 40”, diz.

 

Soluções tardam em chegar

A empresa reconhece as dificuldades, mas justifica algumas das queixas com questões circunstanciais, como o mau tempo, problemas de catenária e a prioridade dos comboios da CP na mesma linha. Justificações que não convencem a CUTMS, que pondera avançar com uma carta reivindicativa ao governo e lamenta que nenhuma entidade os tenha ainda contactado. “Se a Fertagus identifica esses problemas todos, o que é que está a fazer para resolver o problema? O que nós queremos é ver os problemas das pessoas resolvidos. Mas isto é o jogo do empurra, e nós vamos ali todos enlatados”.

Para já, as soluções para o problema tardam em chegar. A secretária de Estado da Mobilidade afirmou na última semana estar em estudo a hipótese de levantar as restrições ao limite de velocidade no troço Coina-Pinhal Novo, uma “medida que permitirá ganhar dois minutos nas viagens”.

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A comissão de utentes defende medidas extraordinárias que, a curto-prazo, possam mitigar a situação. “Defendemos que se coloque a CP a operar na linha. Por exemplo a Fertagus assegurar o serviço de Coina a Setúbal e a CP até Coina. Seria uma medida de emergência, o problema requer uma solução estrutural. Mas no curto-prazo importa resolver os problemas das pessoas”.

Esta possibilidade afigura-se de difícil concretização, uma vez que esta quarta-feira, vieram a público notícias que dão conta de que o serviço público da CP já fez saber ao governo que “não tem meios” para colmatar a falta de material circulante da Fertagus, segundo o ministro das Infraestruturas. A hipótese de voltar aos horários antigos também não é equacionada por Miguel Pinto Luz. “Ninguém fica em terra. Não abdicaremos nem voltaremos aos horários anteriores”, garantiu o responsável.

Para a Inspira Mobilidade, o caminho não deve passar pelo recurso ao serviço público de transporte ferroviário, mas sim por soluções estruturantes, que não comprometam também a qualidade do serviço da CP. “A solução exige um investimento estratégico e robusto nos transportes públicos, garantindo um sistema mais fiável, eficiente e inclusivo”, afirmam.

 

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