Marta Pereira, enfermeira e coordenadora do Grupo Local da Iniciativa Liberal – Almada
A saúde é o bem mais precioso que temos e, por isso, um hospital como o Garcia de Orta (HGO) que nos assegure a satisfação das necessidades de saúde dos habitantes de Almada é imprescindível.
Recordo-me do antigo hospital de Almada, da euforia com o surgimento do HGO e a melhoria significativa que traria para a prestação dos cuidados de saúde em Almada. Atualmente, serve os concelhos de Almada e do Seixal, o que corresponde a um universo de mais de 300 mil habitantes com condições sócio-económicas bastante díspares. Assim, enquanto unidade de referência para estes dois concelhos, o HGO tem de oferecer serviços de qualidade, o que ultimamente tem sido verdadeiro desafio para a administração, para os seus profissionais e, principalmente, para os utentes. As notícias mostram recorrentemente urgências obstétricas e pediátricas encerradas por falta de profissionais, ao que se juntam dias sem algumas especialidades nas urgências e ao aumento dos tempos médios de resposta garantida para consultas de especialidade e cirurgias!
As pessoas merecem mais e melhor. O HGO necessita de ser munido de capacidade competitiva, para que possa fixar profissionais, garantir a formação médica e de enfermagem ao mais alto nível. É necessário que estes profissionais se fixem após o término dos seus cursos e das especialidades. É necessário revigorar as carreiras, ter condições estruturais de forma a que estas se tornem atrativas e que colaborem para a fixação dos jovens médicos, enfermeiros, assistentes operacionais, assistentes técnicos, e técnicos superiores. É necessário também entendermos que são precisos profissionais de saúde para que tudo tenha a qualidade que pretendemos. Perante a falta de uma oferta em rede, entre prestadores privados, sociais e públicos, que permita ao utente escolher em liberdade onde quer ser tratado, é essencial que a maior estrutura de saúde esteja capacitada dos recursos materiais e humanos para prestar um bom serviço de saúde!
Repito, não esqueçamos que a saúde é o bem mais precioso. Sem saúde não temos como seguir com a nossa rotina diária, o absentismo laboral aumenta e a sociedade fica debilitada, começando pelo nosso concelho.
O mesmo se verifica ao nível dos profissionais de saúde que também são pessoas. A falta de profissionais leva ao esgotamento de enfermeiros, médicos e outros profissionais. Os enfermeiros, aqueles que estoicamente resistem ao chamamento da emigração, estão doentes. O burnout tomou conta da maioria dos profissionais, esgotados por horas extraordinárias numa luta desumana contra um conjunto de situações e decisões tomadas durante a pandemia que os obrigou a ir para além dos limites da resiliência. Estima-se que, atualmente, mais de metade dos profissionais de saúde apresentem sintomas de desgaste emocional, stress e ansiedade. Paralelamente, o recibo de vencimento não reflete o trabalho, o valor dos profissionais e as horas de dedicação. A situação económica atual, reduz o poder de compra de um profissional com uma folha salarial reduzida.
Recuemos no tempo, até 1979. No rescaldo da revolução de abril, Portugal rompia definitivamente com os laços de uma ditadura, que deixou o país com índices de saúde pública em níveis de terceiro mundo. Nesse ano de 1979, a Lei nº 56/79, de 15 de setembro abriu a porta para a criação do SNS, permitindo o acesso universal e gratuito aos cuidados de saúde a toda a população portuguesa. Era de fato um projeto ambicioso. Podemos afirmar que, na teoria, o acesso universal e gratuito aos cuidados de saúde é um plano previdente por parte do Estado, desejoso de corrigir os números negros das décadas anteriores. Na prática, cada contribuinte através dos seus descontos mensais contribui para alimentar um serviço que rapidamente começou a mostrar fragilidades, como a desarticulação entre centros de saúde e hospitais centrais.
Quando se criou o SNS não se pensou em fundar cuidados primários robustos alicerçados principalmente nos centros de saúde, com especialidades médicas capazes de suprir necessidades básicas, libertando os hospitais para outras responsabilidades médicas mais exigentes.
Os primeiros deviam oferecer horários mais alargados de atendimento e uma oferta de saúde primária mais robusta, libertando os hospitais para as verdadeiras urgências. Os centros de saúde deviam acompanhar a modernização dos tempos e oferecer outros cuidados, como a saúde oral, a saúde mental, a nutrição. Três áreas onde cada vez mais se sente a necessidade de recorrer e às quais muita pessoas não tem possibilidade. Na teoria, o SNS devia garantir aos seus utentes este tipo de serviços. No entanto, isso não acontece. E a razão é simples: quando se criou o SNS não se pensou em fundar cuidados primários robustos alicerçados principalmente nos centros de saúde, com especialidades médicas capazes de suprir necessidades básicas, libertando os hospitais para outras responsabilidades médicas mais exigentes como o tratamento oncológico, doenças vasculares cerebrais, entre outras…
Quem desenhou o SNS esqueceu-se que o Estado não podia eternamente suportar financeiramente estes serviços, ainda para mais com qualidade e bons profissionais. Ignorou a demografia que indicava o rápido envelhecimento da população, a consequente redução da população ativa e, por conseguinte, uma redução do financiamento do SNS, colocando em causa a sua sustentabilidade. Isto conduziu ao encerramento de hospitais de segunda linha, à redução da capacidade de competitividade salarial limitando fortemente a contratação dos melhores profissionais para um serviço que pretende premium.
Todos os anos ouvimos nas rádios e nas televisões responsáveis políticos afirmar que o SNS foi reforçado economicamente. Contudo, os resultados práticos não se verificam. Os tempos médios de espera para uma consulta ou cirurgia continuam a aumentar obrigando os utentes do SNS a procurar alternativas mais eficazes junto dos serviços privados. As parcerias público privadas, que forneciam um serviço de qualidade à população foram extintas por questões ideológicas, aumentando o peso do Estado numa matéria em que a população não pode esperar. Tanto no setor publico como no privado, a população quer um serviço de saúde que responda com eficácia às suas necessidades. Por isso, o SNS tem de ser repensado, para que público e privado possam prestar o mesmo serviço, aumentando assim a oferta de saúde. No estado atual do SNS, quem perde é a população que se vê privada de um bem essencial e fundamental: a Saúde.
O HGO, perante a atual concepção e estrutura do SNS, como referência hospitalar da margem sul, merece uma maior atenção com utentes, médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde, por forma a dignificar a saúde nesta região para todos e com profissionais saudáveis e de excelência. Os almadenses merecem muito mais, necessitamos de mudar o modelo assistencial pois este não funciona, necessitamos de proximidade em saúde com respostas facilitadoras e garantidas, para que tenhamos um dos pilares do equilíbrio de Almada fortalecido e os almadenses e suas famílias se sintam seguros no acesso a cuidados de proximidade, qualidade e eficiência.
Queremos saúde para todos, com mais escolha, menos espera e melhor saúde, com o utente e família no centro da decisão em saúde, com garantia de acesso universal com liberdade de escolha do prestador clínico, o que promoverá que exista capacidade instalada suficiente para assegurar cuidados de saúde a todos.
Presidente do Hospital Garcia de Orta: “O nosso principal desafio é reter as equipas”