Diana Tavares, jornalista e mestre em Comunicação de Ciência
Portugal é um país consumidor de tubarão, e mais do que uma vez, a conservação de espécies, incluindo as que nadam no horizonte do oceano que vemos do paredão da Costa da Caparica, esteve nas notícias.
No dia 11 de janeiro de 2023, uma Iniciativa Europeia de Cidadãos, o equivalente nas instituições europeias à nossa Iniciativa Legislativa de Cidadãos, foi oficialmente submetida em Bruxelas. A proposta prevê o fim do comércio das barbatanas de tubarão no espaço da União Europeia (UE). Apesar de a lei em vigor dizer que, em embarcações da UE não é permitido o corte das barbatanas ou a sua venda em separado, os mares do nosso continente ainda são uma grande fonte de importação, exportação e trânsito.
No dia 6 de fevereiro, a primeira reunião sobre o tema com o grupo de trabalho da Comissão Europeia, que vai ler os pedidos e propostas deste grupo de cidadãos e Organizações Não Governamentais, foi realizada, com um sentimento de cuidadoso otimismo de que, pelo menos, o assunto vai ser analisado pelos legisladores.
Portugal é um país consumidor de tubarão, e mais do que uma vez, a conservação de espécies, incluindo as que nadam no horizonte do oceano que vemos do paredão da Costa da Caparica, esteve nas notícias. Vários artigos explicam como Portugal é, ao lado de Espanha, França e Países Baixos dos países europeus protagonistas deste negócio de pesca do tubarão, retirada das barbatanas (se o tubarão não estiver já morto, isto mata-o, mesmo se o colocarem de novo na água) e exportação para os países asiáticos que o consomem. Esta prática resulta em 100 mil tubarões mortos por ano.
No nosso concelho, que tem uma considerável e conhecida linha de costa, faz parte da área do distrito de Setúbal. No horizonte da Costa da Caparica nadam cerca de 43 espécies de tubarões, umas mais frequentemente, outras de passagem, algumas mais, outras menos. Para este comércio, são relevantes o tubarão-anequim, o tubarão azul e o tubarão martelo.
Portugal é, ao lado de Espanha, França e Países Baixos dos países europeus protagonistas deste negócio de pesca do tubarão, retirada das barbatanas e exportação para os países asiáticos que o consomem.
Sou almadense, sempre vivi e tive uma relação muito próxima com a Costa da Caparica e faço atividades e trabalhos na conservação dos oceanos desde muito jovem. Vejo pescadores pelo menos uma vez por semana a ir ou a voltar dos barcos. E pergunto-me. Eles sabem? São um grupo de pessoas que convive com estes animais na nossa costa. Não deviam ser informados deste processo?
A forma como Portugal, mesmo na escala distrital/municipal, lida com as diretivas europeias, deixa muito a desejar no percurso de manter os cidadãos ativos nas decisões para as comunidades.
A União Europeia tem vários pontos de informação espalhados pelo mundo, gabinetes das várias instituições europeias presentes nas cidades um pouco por toda a Europa, sendo os mais localizados a nível das cidades e regiões o “Europe Direct”. Dentro da perspetiva de uma grande organização internacional, política e pública como é a União, penso que em termos de quantidade, não serve pedir mais.
Falta a outra parte, a que pertence aos municípios. Especialmente fora de Lisboa e Porto, as câmaras municipais poderiam aqui fazer um papel de partilha de informação e diálogo acerca do que está a ser discutido nos corredores de Bruxelas que pode afetar as nossas áreas de residência.
Neste exemplo dos tubarões, sabemos que espécies da área da Costa da Caparica e Fonte da Telha são apanhadas na pesca? Podemos saber, mas por ONGs. Soubemos nos boletins da câmara que a iniciativa europeia de cidadãos tinha passado? Não. Quantas publicações sobre a influência dos fundos europeus existem nas redes sociais dos órgãos do nosso município? Poucas, a maioria das vezes é uma bandeira no canto dos patrocinadores.
Se a reprodução das espécies não acompanha estes números de mortes, a espécie fica ameaçada, que por sua vez prejudica os ecossistemas que depois precisamos que estejam saudáveis, para podermos pescar e consumir os peixes que lá vivem. É literalmente uma perigosa “pescadinha de rabo na boca”.
O meu lado ambientalista quer a proteção das espécies ameaçadas que nadam na costa da minha cidade. Esta é a minha opinião pessoal sobre o tema. Mas acima de tudo gostava que os almadenses soubessem mais sobre a forma como as instituições europeias têm impacto, a nível municipal, no dia-a-dia. Mesmo que não concordem comigo, gostava de ver uma discussão informada e presente.
Portugal teve 20.384 assinaturas válidas na iniciativa de cidadãos e várias ONGs alertaram para a iniciativa e o problema enquanto a campanha decorria. Mas este universo sofre do mesmo problema que muitas questões de conservação sofrem. Chega a uma comunidade que pode não corresponder a 100% com a que terá de mudar algo no trabalho, que é diretamente afetada. Saberá no fim, quando a decisão estiver tomada e aparecer nas notícias.
No dia 27 de março, poderemos acompanhar em direto uma sessão no Parlamento Europeu uma sessão em que os representantes da Iniciativa Europeia de Cidadãos vão expor o caso, com possível respetivo debate e propostas de resolução, parte do processo da União Europeia para a criação de diretivas e leis.
Mas de novo, pergunto, saberemos, até ao dia em que aparecer na Lusa, quase como uma desagradável surpresa, o que foi lá dito? Provavelmente.