Feitos com as melhores matérias-primas, os “gelados solidários” da Caparica garantem um emprego estável a pessoas que precisam de apoio na reinserção profissional.
Nos últimos dias, Vladimir Scibailo tem estado a trabalhar na receita de um gelado de gengibre para um restaurante japonês. Em breve, será mais um sabor a juntar aos que já desenvolveu para o projeto Fratellini, uma marca de gelados artesanais que promove a integração profissional de pessoas que superaram dependências.
Quando veio da Ucrânia para Portugal, há mais de 20 anos, não imaginava que haveria de se tornar mestre gelateiro. A vida deu muitas voltas e levou-o a ingressar em 2009 na comunidade terapêutica da Associação Vale de Acór, que trabalha na recuperação de pessoas com problemas de toxicodependência ou alcoolismo.
Concluiu o programa em 2012 e, pouco tempo depois, já estava a trabalhar no restaurante de um hotel, graças à formação que tinha em pastelaria e à experiência no ramo da restauração. Mas manteve uma relação especial com o Vale de Acór, que o fez aceitar o desafio de regressar. “Precisávamos de alguém consistente e por isso fomos buscar o Vladimir, que é uma pessoa muito competente”, conta ao ALMADENSE Rita Monteiro, responsável pela direção administrativa e financeira dos gelados Fratellini.
Hoje, Vladimir é um dos pilares do projeto, que tem como objetivo dar aos residentes daquela comunidade a oportunidade de “reconstruírem as suas vidas”, oferecendo-lhes um ambiente de trabalho protegido e digno.
“Neste momento, temos quatro pessoas que fizeram o programa terapêutico a trabalhar aqui”, assinala Rita Monteiro. Para além do Vladimir, o projeto garante atualmente emprego estável a outros três colaboradores, que “dificilmente estariam a trabalhar noutro local, devido à sua fragilidade”.
Um deles é o Bicas, que mostra ao ALMADENSE os congeladores onde se armazenam as caixas com os sabores mais requisitados: morango, chocolate, stracciatella, praliné de amêndoa e caramelo salgado são alguns exemplos.

Lançado há quatro anos, o projeto Fratellini está ligado à empresa Rémora Oficinas, que trabalha no desenvolvimento de iniciativas de cariz social economicamente sustentáveis. De início, a produção dos gelados começou na Cozinha Partilhada de Alfazina, uma incubadora municipal dedicada à produção alimentar. Depois, a iniciativa foi crescendo e mudou-se para um espaço cedido pela Câmara Municipal de Almada, localizado no Monte da Caparica. É aqui que os “gelados solidários” ganham vida, graças às duas máquinas adquiridas através dos fundos do programa Portugal 2020.
Uma referência no processo de recuperação
Vladimir não gosta de se ver como um exemplo a seguir pelos residentes da Instituição. Mas é que isso que representa para as mais de 80 pessoas que se encontram neste momento a fazer o programa terapêutico da associação Vale de Acór, lutando para superar problemas de dependência.
“Quando veem onde está agora o Vladimir, percebem que vale a pena o esforço e as dificuldades. Este é um processo de recuperação muito difícil, por isso é importante ter referências, que façam acreditar que é possível”, aponta Rita Monteiro.
Além de criar condições a pessoas que teriam muita dificuldade em integrar-se no mercado de trabalho, o projeto Fratellini garante aos colaboradores um acompanhamento próximo.
Desde o seu início que a produção dos gelados Fratellini tem contado com a colaboração de vários voluntários, que constituem “uma parte muito importante no desenvolvimento do projeto”, assegura a gestora. O design, por exemplo, foi oferecido por Rita Rivotti. Mas também Mafalda, Rosarinho, Ricardo, Cláudia, Leo e João Paulo são peças fundamentais no crescimento do negócio. “Se tivéssemos de contratar estas pessoas, não teríamos conseguido dar continuidade a este projeto”, assinala Rita Monteiro.
“Irmãozinhos” italianos
A ideia de produção de gelados inspirou-se no projeto italiano da Cooperativa Giotto, que se desenvolve dentro de uma prisão e tem o objetivo de proporcionar uma reintegração digna. A parceria que fizeram com os colegas italianos permitiu ao projeto Fratellini (“irmãozinhos” em italiano) desenvolver o negócio e não só. Graças a um apoio da Fundação Gulbenkian, Vladimir e outro colega rumaram a Pádua, no norte de Itália, para fazerem formação junto da cooperativa, que os orientou no desenvolvimento das receitas.
Ali aprenderam a arte de fazer gelados artesanais, usando unicamente ingredientes frescos e naturais. Feitos com dedicação e empenho, estes gelados especiais destacam-se também pela qualidade das matéria-primas. “A framboesa é o único fruto que nos oferecem. De resto, compramos tudo a produtores nacionais e não usamos nada de químicos”, sublinha Rita Monteiro.

A excelência do produto permitiu-lhes fidelizar vários clientes. Neste momento, o principal canal de vendas é online, garantindo entregas nos concelhos de Almada, Lisboa e Cascais. Mas também é possível encomendar e recolher os gelados num dos pontos de take-away.
Além disso, contam com um carrinho com uma vitrine móvel que leva os gelados a eventos empresariais, institucionais ou particulares. O crescimento tem sido contínuo, mas a equipa acalenta o sonho de dar um passo maior. “Sabemos que muitas pessoas muitas compram gelados por impulso, porque vão a passar e vêm a oferta”, comenta Rita, que espera que no futuro seja possível abrir uma “loja Fratellini”.
Com Ricardo Marques