Filipe Carvalho, 42 anos, morador no Feijó
Portugal é, pois, um país onde é mais fácil encontrar uma renda a 1500€ do que um vizinho com menos de 35 que viva sozinho. Mas está tudo bem, porque somos resilientes, somos criativos e somos europeus. Somos, acima de tudo, excelentes a partilhar casa com os pais.
Na outrora gloriosa nação portuguesa, esse recanto de navegadores, poetas e reformados à beira-mar plantados, chegámos finalmente ao destino que tanto desejámos: a emancipação da juventude. Só que, como tudo por estas bandas, foi adiada indefinidamente, e não por culpa da juventude, coitada, mas porque a Pátria resolveu inovar e reinventar o conceito de independência. Agora, aos 40, não se sai de casa; aos 50, volta-se. É a roda da fortuna, versão lusitana.
Estamos a viver os tempos dos alugueres mais altos do que o rendimento médio, em que apartamentos com 12 metros quadrados são anunciados como “ideais para jovens casais aventureiros” e somos blasfemados com rendas a preço de “palacetes” com vista para o lixo indiferenciado de segunda-feira. Ajoelhemo-nos ao progresso, já que,
antigamente, um jovem de 25 anos saía de casa para casar, trabalhar e, imagine-se, até comprar uma habitação; e hoje, sai de casa apenas para tirar uma selfie no elevador antes de regressar ao quarto da adolescência, onde os posters das bandas favoritas assistem impávidos à lenta decomposição da esperança.
Os pais, esses santos laicos, viraram senhorios involuntários. Criaram filhos para o mundo e acabaram por criar o Novo Mundo de habitação intergeracional: três gerações, dois salários e uma única casa. Uma espécie de comunismo doméstico onde tudo é de todos, excepto o comando da televisão, que é sempre do pai.
Claro, os especialistas dizem que a culpa é da especulação imobiliária, dos fundos abutres, dos vistos gold, do turismo, do clima ameno, do Ronaldo, da Troika, da direita, da esquerda e até da Madonna. Nunca, repare-se, da absurda incapacidade de um Estado débil de regular o essencial e liberalizar o que devia.
Cria-se comissões, planos e PowerPoints; promete-se casas a preços acessíveis para 2030, o que é ótimo para quem está a planear envelhecer com dignidade no mesmo quarto onde perdeu a virgindade em 1999.
Mas há esperança, não a percamos, virá com D. Sebastião e talvez um dia apareça um T2 a 600 euros, com varanda e luz natural. Até lá, resta-nos o recato do lar materno, os tachos de inox da mãe e a sabedoria secular do pai, que ainda nos pergunta se “aquele curso em Sociologia já deu emprego” e que “os computadores é que estão a dar”.
Portugal é, pois, um país onde é mais fácil encontrar uma renda a 1500€ do que um vizinho com menos de 35 que viva sozinho. Mas está tudo bem, porque somos resilientes, somos criativos e somos europeus. Somos, acima de tudo, excelentes a partilhar casa com os pais.
Rendas em Almada: mediana mantém-se nos 12 euros por metro quadrado