Comunidade viu-se recentemente impedida de entrar num terreno que durante anos funcionou como horta comunitária. Sobre os planos para o futuro do espaço, Câmara de Almada indica apenas que está “a trabalhar no tema”.
Há cerca de 10 anos que uma senhora de 82 anos passava os dias a cuidar de uma horta comunitária, instalada num terreno em Vale Flores, no Feijó. Com o passar do tempo, um espaço que anteriormente não tinha qualquer utilidade foi transformado por toda a comunidade, que ali plantou árvores de fruto, vegetais e legumes, que eram distribuídos por todos os moradores.
“Todos usufruíamos do espaço, mas cada um fazia o que queria, desde passear, tirar fotografias, tratar das hortas ou correr”, contou ao ALMADENSE Telma Roda, moradora no Feijó e utilizadora do terreno. “A senhora era a que passava cá mais tempo, às vezes começava às 7h da manhã e só ia para casa depois das 20h. Antes, passava muito tempo na cama, depois passou a entreter-se com a horta, dava-lhe saúde”, apontou a moradora.
Tudo isso terminou no passado dia 7 de junho, quando a Câmara Municipal de Almada ordenou a extinção da horta com recurso a escavadoras, numa ação que mobilizou funcionários da Câmara, maquinaria e Polícia. Outrora cheio de vida, o local encontra-se agora fechado a cadeado. “Não entendemos esta megaoperação excessiva”, disse Telma Roda.
Questionada pelo ALMADENSE sobre os motivos que levaram à operação, fonte da Câmara Municipal de Almada indicou que “estamos perante uma situação de ocupação de espaço público, tendo os ocupantes sido notificados para procederem à desocupação total do terreno e à limpeza do espaço público ocupado em violação do disposto no respetivo Regulamento Municipal”.
No entanto, a comunidade garante que “não foi avisada rigorosamente de nada”, afirma Telma Roda. “Ao que parece avisaram apenas a filha da senhora que se entretinha por ali a cultivar verduras. Aos locais, habitantes em Vale de Flores, nunca nada foi dito e sequer avisados de que iriam interditar o espaço colocando gradeamento em volta”, afirmou.
Um dos partidos que solidarizou com a situação foi o Bloco de Esquerda Almada, que esteve presente no local para entender “por que razão se destruiu uma horta urbana”, disse ao ALMADENSE Joana Mortágua, vereadora na Câmara Municipal. “Fez-nos impressão a forma como isto aconteceu e quisemos vir cá para entender a história, por que razão é que a Câmara chegou a um terreno que pode e deve ser comunitário, e disse que uma senhora não tem direito a fazer uma horta em benefício de toda a comunidade”, afirmou a autarca.
“A comunidade desconfia que o motivo foi a incompatibilidade com a colónia de gatos, mas ao estar aqui entendemos que a dimensão do espaço permite facilmente a coexistência”, apontou a representante do partido. Sobre este assunto, o município de Almada referiu que “no mesmo terreno coexistem vários abrigos para gatos, devidamente autorizados pela CMA, sem focos de insalubridade nem aspeto conspurcado, assunto que é seguido pelo serviço Veterinário Municipal.
Os moradores também rejeitam a existência de incompatibilidades com a colónia: “sempre ali existiram gatos bem tratados, que viviam em comunhão com a comunidade residente”, adiantam.
Além disso, numa altura em que proliferam incêndios em todo o país, também a segurança da zona levanta preocupação, adianta Joana Mortágua. Recordando que os moradores construíram socalcos e limpavam o terreno, a vereadora alerta que “sem essa limpeza, podem surgir incêndios, poluição e até cheias, exceto se a Câmara assumir a manutenção do espaço”.
Moradores defendem uma horta municipal
Adiantando que “o terreno em causa é propriedade do Município de Almada”, fonte da autarquia escusou-se a indicar que planos tem a Câmara para o futuro do terreno, afirmando apenas que está “a trabalhar no tema”.
Por sua vez, os moradores indicam que “sabemos que o terreno é camarário. Mas, após consulta, temos o número do lote e respectivo alvará, em que se lê que terreno é de domínio público”. Por esse motivo, continuam com esperança de poder recuperar o usufruto daquele espaço e que “se torne uma horta municipal”, afirmou Telma Roda. “Apresentámos ideias exequíveis para o referido espaço, de forma a que seja realmente uma mais valia para a comunidade”, disse Telma Roda. Com cerca de 14 mil metros quadrados, acreditam que o terreno “pode ser bem estruturado e aproveitado valorizando o bem estar de todos, incluindo a colónia de gatos”. Além disso, a comunidade gostaria de “ter ali um parque canídeo para passeio, bem como alguns equipamentos de manutenção física, úteus para uma comunidade ainda ativa, embora com muitos idosos”.
Por sua vez, Joana Mortágua defende que “devem existir mais hortas comunitárias” no concelho. “As que existem não estão regulamentadas, o que leva a ações como esta”, afirmou. “Queremos que esta situação seja um exemplo para estimular que terrenos públicos sejam transformados para o uso da comunidade de forma produtiva”.
Com Maria João Morais