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O alargamento do IC20 ou o prémio da aberração

João Joanaz de Melo, professor de Engenharia do Ambiente na Universidade NOVA de Lisboa e dirigente do GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente 

 

O alargamento do IC20 é uma aberração lesiva do interesse público e deve ser parado imediatamente. A capacidade das autoridades para tomar esta decisão será um indicador significativo da seriedade com que é encarado o bem-estar dos cidadãos, a acção climática e a boa gestão do erário público.

 

Foi com estupefacção que muitos cidadãos ouviram a notícia de que o concessionário do IC20 se prepara para proceder ao alargamento desta via. O argumento invocado é uma obrigação contratual — que podia e devia ter sido cancelada pelo Estado, mas não foi.

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Infelizmente não faltam em Portugal obras públicas megalómanas, com grandes impactes ambientais e com má relação custo-eficácia. Mas o alargamento do IC20 é um sério candidato ao prémio da aberração do ano, pela sua completa inutilidade e efeitos prejudiciais.

O IC20 é uma via rápida com sete quilómetros, que liga a Costa da Caparica ao Centro Sul em Almada. Dito de outra forma, o IC20 é uma conduta de grande capacidade, com três vias em cada sentido na maior parte do trajecto, entalada entre dois funis: a entrada na Costa e a ponte 25 de Abril (competindo no acesso a Lisboa com o tráfego oriundo da A2 e de Almada). Qualquer pessoa percebe que o alargamento proposto em nada aliviará o congestionamento, porque evidentemente os dois funis continuarão a existir. A haver algum efeito no trânsito, será apenas atrair mais alguns condutores incautos para engrossar o engarrafamento.

Desde há várias décadas que a doutrina científica e as políticas de mobilidade descartaram a ideia, errada, de que engarrafamentos em vias suburbanas se resolveriam com alargamentos ou rodovias paralelas. O assunto está bem estudado: o resultado final é sempre mais congestionamento, pela indução de novo tráfego e urbanização.

Só há uma solução para congestionamentos desta envergadura: uma rede de transportes intermodal, com altas capacidades e frequências, com a espinha dorsal composta por meios ferroviários, coordenados com outros transportes colectivos (autocarros, barcos) e complementados com modos suaves — de forma a, pela oferta de qualidade e eficiência, convencer os cidadãos a deixar o carro em casa.

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Há várias décadas que a doutrina científica e as políticas de mobilidade descartaram a ideia, errada, de que engarrafamentos em vias suburbanas se resolveriam com alargamentos ou rodovias paralelas.

 

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O IC20 tem atualmente três vias por sentido. Foto: Bruno Marreiros

 

Esta abordagem é igualmente essencial para descarbonizar o sistema de transportes. Quando as alterações climáticas se agravam a olhos vistos e assumimos compromissos como o Acordo de Paris e o Pacto Ecológico Europeu, é inaceitável pôr em prática projectos que incentivam o uso do transporte individual e agravam a poluição. Evidentemente, o dinheiro público gasto aqui ficará indisponível para resolver este ou qualquer outro problema social. A quem aproveita esta aberração? Podemos seguir a velha máxima dos romances e filmes policiais: follow the money.

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No caso concreto das acessibilidades no arco ribeirinho Sul do estuário do Tejo, e em particular das ligações Lisboa-Sul e Almada-Costa da Caparica, o assunto até já foi bastante estudado. Sabemos o que é necessário:

– A peça fundamental é a expansão do Metro Sul do Tejo (MST), cujo plano original na década de 1980 previa a continuidade desde a Trafaria e Costa da Caparica a Poente, até ao Montijo a Nascente. Deste projecto ambicioso apenas foi executado o pequeno tripé Cacilhas-Campus da Caparica-Corroios. Estudos recentes indicam que, dada a grande expansão da malha urbana nesta região, haveria vantagem em aumentar largamente a rede do MST. Mas, inexplicavelmente, o projecto está congelado há mais de uma década;

– Em complemento ao MST, é essencial reforçar o número e frequência das ligações fluviais, não só entre Lisboa e a Margem Sul, mas também ligando os diversos terminais da Margem Sul: é o conceito do estuário do Tejo como auto-estrada fluvial, um potencial hoje tristemente subutilizado;

– Igualmente importante é aumentar a frequência dos comboios da Fertagus e a sua extensão ao Oriente; bem como ajustar as carreiras e horários da Carris Metropolitana, garantindo trajectos mais racionais, maiores frequências e melhor coordenação com o comboio, o metro e o barco;

– Em complemento aos transportes colectivos, as ciclovias existentes devem ser conectadas numa rede ciclável contínua, ancorada nas paragens das redes ferroviárias, facilitando tanto o estacionamento de bicicletas nas paragens e terminais, como o seu transporte nos meios pesados;

– Genericamente, os pontos críticos para a atractividade do transporte público na Área Metropolitana de Lisboa são a melhoria das frequências, capacidades, fiabilidade e intermodalidade da rede, incluindo tarifários drasticamente simplificados e integrados em toda a bilhética (não apenas nos passes).

Em síntese, o alargamento do IC20 é uma aberração lesiva do interesse público, e deve ser parado imediatamente. Não podemos desperdiçar meios públicos escassos em fantasias; precisamos de soluções que resolvam de facto os problemas. A capacidade das autoridades para tomar esta decisão será um indicador significativo da seriedade com que é encarado o bem-estar dos cidadãos, a acção climática e a boa gestão do erário público.

 

Moradores lançam petição contra o alargamento do IC20: “medida obsoleta num contexto de emergência climática”

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