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Comunidade mobiliza-se contra fecho de escola na Caparica decretado pela Câmara de Almada. “É uma escola especial”

Decisão da Câmara de Almada de fechar a Escola Básica da Fonte Santa está provocar a contestação de pais, professores e ex-alunos. Juntos, lançaram um movimento de oposição ao encerramento, participando em assembleias municipais, lançando petições e convocando protestos. “Tudo faremos para demonstrar a importância de manter a escola aberta”, garantem.

 

Na Escola Básica da Fonte Santa, no Monte de Caparica, não há hora marcada para o intervalo. Aqui, o espaço exterior é tão importante como o interior. Imersas num ambiente rural, rodeadas por árvores e com o canto dos pássaros em fundo, as crianças desfrutam da liberdade ao brincarem ao ar livre. No recreio, os 23 alunos do ensino básico juntam-se muitas vezes aos 20 que frequentam o jardim de infância, exploram o ambiente natural, põem as mãos na terra e sobem às árvores. Em suma, criam aventuras que “estimulam a criatividade e a independência”, acredita Catarina Nave, professora na escola há 18 anos.

“Os nossos alunos vão todos os dias felizes para casa e vêm felizes no dia a seguir”, garante a docente. “Estão sempre com vontade de vir para a escola”.

Na Fonte Santa, os alunos do 1.º ao 4.º ano do ensino básico integram uma única turma. Aqui, em vez de se dividir a matéria por anos de escolaridade, esta é progressivamente abordada ao longo dos quatro anos do ciclo. Desta forma, ao atingirem o final do ciclo, os alunos encontram-se todos “munidos das aprendizagens necessárias”, garante Catarina Nave.

Inspirado no método pedagógico da Escola da Ponte, concebido por José Pacheco, na Fonte Santa há atividades que dificilmente se podem replicar em outras escolas, como o envolvimento dos pais diretamente na sala de aula. “Vêm dar aulas de ginástica, ensinam receitas, fazem trabalhos de grupo”, conta a professora. E, quando não estão presentes fisicamente, podem acompanhar as aulas remotamente. 

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Outra característica distintiva desta escola situada no Monte de Caparica é a multiculturalidade. Para além dos portugueses, há alunos com origem em Angola, Cabo Verde, Ucrânia, Nepal, Rússia e Brasil. Neste ambiente, todos trabalham em conjunto e “nenhum aluno fica para trás por causa da língua”, garante Catarina.

Em Almada, não há qualquer outra escola que ofereça aos alunos estas condições. “É uma escola especial”, assinala Ricardo Frias, responsável pelo jardim de infância. “Há aqui uma simbiose muito interessante entre o espaço e as crianças”, refere o educador que, além de promover sessões de desenho e pintura, também medeia atividades sensoriais, faz meditação ou debate filosofia com os mais pequenos. 

Foi, por isso, com grande surpresa que pais, funcionários e restante comunidade educativa tomaram conhecimento da intenção da Câmara Municipal de Almada de encerrar a Escola Básica da Fonte Santa já a partir do próximo ano letivo. Dos testemunhos recolhidos pelo ALMADENSE, ninguém consegue entender a decisão, lamentando-se sobretudo a ausência de diálogo com a comunidade. “Não foi uma decisão democrática nem transparente”, refere a professora Catarina Nave. 

A diretora do Agrupamento de Escolas do Monte de Caparica, Sandra Vicente, partilha a posição: “Que fique bem claro que sou contra o encerramento”, disse ao ALMADENSE. “Lamento a decisão e lamento que me vinculem a esta decisão. Jamais um diretor de escolas vai concordar com o encerramento de uma escola”, esclarece.

 

Modelo pedagógico em causa

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O educador Ricardo Frias e a professora Catarina Nave. Maria João Morais / Almadense

 

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Questionada pelo ALMADENSE sobre os motivos na base do encerramento da Fonte Santa, a Câmara Municipal de Almada referiu que se trata de “uma escola desadequada, não apenas em termos de instalações, mas também em termos pedagógicos”. Numa resposta enviada por escrito, a autarquia indica que “a Fonte Santa era a última escola do concelho que mantinha o modelo do Estado Novo de escola de turma única com os quatro anos de ensino na mesma turma”.

De resto, as questões pedagógicas já tinham sido invocadas pela a vereadora Teodolinda Silveira como justificação durante a Assembleia Municipal realizada a 17 de abril. “Uma das questões que maior gáudio deu aos professores a seguir ao 25 de abril foi que deixasse de haver turmas com quatro anos de escolaridade. Ter alunos de diferentes anos na mesma sala é uma coisa anterior ao 25 de abril, que queremos esquecer,” afirmou. 

Esta argumentação, contudo, tem encontrado forte oposição, nomeadamente da própria diretora do Agrupamento de Escolas do Monte de Caparica, que defende a qualidade do projeto pedagógico implementado na Fonte Santa. “Há ali uma diferenciação pedagógica que é positiva e que deve ser praticada todos os dias em sala de aula”, disse. “Os pais dos alunos estão informados e escolheram esta escola para beneficiarem deste tipo de projeto educativo. Por que não respeitar a vontade dos pais?”, questionou.

De resto, Sandra Vicente entende que ter uma escola com um modelo educativo diferenciado no agrupamento é uma mais-valia que traz diversidade à oferta de ensino do concelho. “Há um preconceito perante aquilo que é diferente. Mas, na minha opinião, devemos incluir a diferença no nosso modelo educativo”. 

Ainda assim, na mesma resposta enviada ao ALMADENSE por escrito, a autarquia reconhece que “o Município não tem qualquer competência em termos de opções pedagógicas do ensino público e, sendo a Fonte Santa uma escola pública, e no respeito pela autonomia das Escolas, não nos pronunciamos sobre o mérito ou demérito do modelo de ensino praticado até há data na Fonte Santa”.

 

Um ensino diferente do tradicional

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É precisamente o método pedagógico que faz com que muitos pais escolham colocar os seus filhos nesta escola, como é o caso de Liliana Sousa, que fez questão que o filho Vicente, de 8 anos, frequentasse a Escola da Fonte Santa. Ela própria professora, já trabalhou no Agrupamento de Escolas do Monte de Caparica e foi o conhecimento que tem do trabalho da professora Catarina Nave que a levou a colocar aqui o filho. 

“Queria um projeto pedagógico com um modelo diferente. Mas esses projetos geralmente só existem no ensino particular. Eu não posso pagar um colégio privado”, conta ao ALMADENSE. Aqui, “o ensino é público e de qualidade”, garante, sublinhando que na Fonte Santa há um ambiente que respeita o ritmo individual de cada criança. “Dá-lhes tempo a crescerem de forma estruturada e segura”, destaca.

“Aqui, a aprendizagem é feita de acordo com as necessidades de cada um, o que lhes dá um grau de autonomia muito grande”, assinala Liliana Sousa. A diretora do Agrupamento de Escolas está de acordo: “na Fonte Santa, o professor tem sobretudo um papel de orientador. O aluno ensina o outro aluno, os miúdos aprendem a aprender. É um método que deveríamos replicar”, destaca Sandra Vicente. 

Por isso, o aproveitamento escolar não é inferior ao de outras escolas, garante a diretora do Agrupamento. Pelo contrário: “a taxa de sucesso é muito grande. Quando saem dali, muitas vezes tornam-se nos melhores alunos da turma”, aponta Liliana Sousa.

Outro fator que a destacar é o papel vital que a escola desempenha na comunidade “envelhecida e esquecida” em que se insere, na relação que estabelece com a população e no estímulo ao escasso comércio local. “A escola dá vida àquela comunidade. Os vizinhos trazem couves, ajudam a fazer reciclagem e até dão de comer à gata da escola”, relata a encarregada de educação. “É tudo uma grande família”, refere.

 

Estado do edifício

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O estado das instalações foi outro dos motivos apontado pela autarquia para decretar o encerramento da escola. “Este estabelecimento de ensino apresenta um estado de conservação que implica obras de grande beneficiação, nomeadamente no espaço exterior, casas de banho e espaço de refeição. Também não existem infraestruturas que hoje em dia são indispensáveis, como biblioteca ou polivalente para desenvolvimento de outras atividades”, lê-se na resposta enviada ao ALMADENSE.

Também Teodolinda Silveira destacou os problemas estruturais da escola durante a Assembleia Municipal de 17 de abril. “Todos sabemos que a escola precisa de uma intervenção no telhado. Aquilo não tem as condições que uma escola normal tem”, afirmou. 

O argumento, contudo, não colhe junto da comunidade educativa. “Não é verdade que o telhado esteja prestes a cair”, refere a professora Catarina Nave, lamentando que a vereadora “nunca tenha visitado a escola”. A própria diretora do agrupamento rejeita a justificação. “A nº 3 do Monte de Caparica está muito pior”, indica. Sobre a falta de infraestruturas como ginásio ou biblioteca escolar, Sandra Vicente refere que “há escolas no concelho que também não têm ginásio e isso não é motivo para as encerrar. O que se poderia fazer é uma ampliação para acrescentar valências”.

Sobre o destino a dar ao edifício, questão que tem inquietado pais e formações políticas, a autarquia garante que “o terreno e o edifício são propriedade municipal, adstritos a funções educativas e sociais municipais, e assim continuará a ser. Não existe qualquer plano nem intenção de oneração deste espaço a privados”.

 

Contestação mantém-se

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Na justificação da decisão, a Câmara de Almada recorda ainda a recente revisão da Carta Educativa, que obteve no verão passado parecer favorável do Conselho Municipal de Educação e foi aprovada posteriormente “por unanimidade em reunião de Câmara de 7 agosto e a 21 dezembro pela Assembleia Municipal por maioria, apenas com a abstenção dos partidos Chega e CDS”. Já em novembro de 2023, “o Ministério da Educação emitiu pronuncia favorável à carta educativa de Almada”, refere a autarquia.

No entanto, também esta questão é contestada pela diretora do agrupamento. “Não houve transparência. Não houve discussão da Carta Educativa. Eu não participei na reunião em que foi aprovada”, afirma a responsável, explicando que o “encerramento da Fonte Santa estava mascarado nos anexos de um enormíssimo documento, que não foi discutido”.

Ao mesmo tempo, pais e professores não conseguem entender por que se fecha uma escola num momento em que há “rutura de rede”, refere Sandra Vicente. “Há falta de vagas para os alunos no concelho e fecha-se uma escola?”, questiona, por sua vez, Liliana Sousa. A diretora do agrupamento partilha a preocupação: “Faz sentido encerrar a Fonte Santa quando estamos com esta pressão? Não se consegue compreender”, afirma a diretora. 

Por isso, pais, professores, ex-alunos, vizinhos e restante comunidade educativa não desistem de lutar para que a escola se mantenha aberta, tendo participado ativamente nas mais recentes assembleias municipais e de freguesia. 

Na última Assembleia de Freguesia da Caparica e Trafaria, celebrada a 13 de maio, foi aprovado um requerimento apresentado pelo PSD segundo o qual a assembleia “manifesta a sua oposição ao encerramento unilateral da Escola Básica da Fonte Santa decretado pela CMA sem a adequada auscultação das populações”. O documento contou com os votos favoráveis de todas as forças políticas, incluindo o PS da freguesia, que mostra assim uma divergência face ao PS concelhio. 

Face à iminente ameaça de encerramento da Escola Fonte Santa, Liliana Sousa iniciou ainda um abaixo-assinado que já ultrapassou as 1000 assinaturas online e conta cerca de 900 em papel. Além dos pais dos alunos, o documento tem recebido o apoio de muitos ex-estudantes que mantêm laços afetivos com a escola, bem como de profissionais da área pedagógica que reconhecem a qualidade de ensino do espaço. “Acredito que a decisão ainda pode ser revertida. Tudo faremos para demonstrar a importância de manter a escola aberta”, refere a encarregada de educação.

Esta quarta-feira, dia 29 de maio, decorre uma vigília contra o encerramento do estabelecimento. “Quando algo que afeta uma comunidade se lhe afigura como injusta e absurda, esta reage como um todo”, lê-se no manifesto que convoca o protesto. 

 

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2 Comentários

  1. Contudo pude perceber a injustiça e até tirania na decisão dos políticos que nem sequer fizeram um tipo de referendo ou coisa do género para saber da opinião dos interessados, que pelos vistos é toda a sociedade envolvida. Portanto, o que deveriam fazer era obras e melhorias para consolidar e colmatar aquele estabelecimento de ensino. Vejo na atitude desses políticos um autoritarismo que tanto se diz ultrapassado depois do 25 de abril
    Contem comido para apoiar na continuação da escola.
    Maria Leite – Lisboa

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