Com 3500 fogos previstos para os terrenos junto ao bairro amarelo, na Caparica, o projeto de habitação pública Almada Poente poderá “promover a integração” e “mudar um pouco a população” daquela que é uma “área nobre da cidade”, acredita a Divisão de Habitação da Câmara Municipal de Almada.
Na segunda parte da entrevista ao ALMADENSE, Teodolinda Silveira, vereadora com o pelouro da Habitação, e Manuela Gonçalves, chefe de Divisão, explicam os planos de realojamento para os moradores dos bairros de barracas do concelho e admitem a ausência de medidas para enfrentar a subida de preços nas rendas.
Está previsto que o projeto Almada Poente crie 3500 fogos e que os primeiros comecem a ser entregues em 2023. A quem se destinam estas casas?
Teodolinda Silveira (TS): O objetivo é pôr no mercado a rendas acessíveis.
Portanto, não vai servir para fazer realojamentos?
TS: Não. O que está no protocolo é uma parcela de terreno para que o município construa uma unidade residencial para a instalação de pessoas com determinadas características. Portanto, haverá um cluster da responsabilidade do município com 30 unidades. Mas tudo o resto é para renda acessível.
Manuela Gonçalves (MG): O que se pretende é trazer pessoas para aquela área, que é uma área nobre da cidade. Vai ficar mesmo ao lado do famoso bairro amarelo. Não tem só boas vistas: tem comboio, tem metro, piscina, biblioteca, está junto à ponte e tem um potencial imenso. A ideia é não concentrar ali mais habitação social e mais problemas sociais. Queremos tentar mudar um pouco a população. Do ponto de vista urbanístico, a ideia é transportar o Monte da Caparica para o centro da cidade e promover a integração.
TS: Fazer o que os técnicos chamam rematar a malha urbana. De facto, toda a zona onde está previsto o projeto Almada Poente é uma zona completamente nobre em todos os aspetos.
De que modelo estamos a falar? Foi anunciado um programa de arrendamento acessível com um desconto de 20% em relação aos preços de mercado. Se for esse o desconto, continuam a ser preços elevados para muitas famílias.
MG: Neste momento não sou capaz de lhe dizer como é que vão ser calculados os valores das rendas acessíveis. Mas sei que há casas em regime de renda acessível que estão a ser arrendadas em Lisboa por 350 euros em zonas nobres. Nos termos do Almada Poente, os serviços da Câmara poderão indicar pessoas para ocuparem esses fogos se forem elegíveis. Portanto, há disponibilidade para dar prioridade às pessoas de Almada no acesso às habitações, eventualmente em detrimento de outros que possam vir de outros locais.
No que diz respeito ao mercado de arrendamento privado, hoje em dia os preços continuam muito elevados, o que faz com que cada vez mais pessoas enfrentem dificuldades no acesso à habitação.
TS: Almada tem vindo a atrair pessoas de todo o país. A Charneca [de Caparica] por exemplo, duplicou de população em dez anos. Tem havido muita procura e aí entra a lei do mercado…
E a escassez de oferta.
TS: Aumento da procura e escassez de oferta traz aumento de preços.
MG: Acreditamos que se o IHRU de facto puser 3500 fogos com renda acessível no Monte, isso poderá ter um efeito indireto nas rendas em Almada.
Mas só terá efeitos a partir de 2023. Os operadores indicam que neste momento há falta de casas no mercado de arrendamento.
TS: Nós esse mercado conhecemos menos bem. Temos noção que o preço da habitação subiu, que poderá haver pessoas que preferem alugá-las só no Verão…
Há pessoas que preferem ter as casas vazias do que colocá-las no mercado de arrendamento devido a constrangimentos vários. Neste sentido, a Câmara de Lisboa lançou, por exemplo, o programa Renda Segura, em que arrenda aos proprietários e subarrenda a um preços mais acessíveis… Almada tem algo previsto nesta linha?
TS: Nesse campo não temos nada. Não quer dizer que não possamos vir a ter. Mas as nossas preocupações ainda estão noutro sítio.
Portanto não há medidas neste sentido?
TS: Nesse sentido atualmente não temos nada. Porque as nossas preocupações estão num nível antes desse.
Se Almada Poente não vai servir para realojar os moradores dos bairros de barracas como o Segundo Torrão e as Terras da Costa, que solução está prevista para estas pessoas?
TS: Construção. Nós achávamos que poderíamos fugir a isso, porque estávamos convencidos que poderíamos encontrar uma resposta de casas no mercado e seria essa a nossa primeira opção. Mas percebemos que, com a quantidade de pessoas que temos nessa situação de extrema precariedade, não vamos conseguir e vamos efetivamente construir, no âmbito da Estratégia Local de Habitação.
MG: A Câmara tem lotes de terreno urbanizado espalhados um pouco por todo o município e aquilo que estamos a preconizar neste momento é a construção de habitação em lotes dispersos pelo município.
TS: São terrenos da Câmara que estão infraestruturados. Estão prontos a construir e fá-lo-emos em vários sítios. Inclusivamente há a possibilidade de no mesmo terreno ter oferta diferente: realojamento, oferta acessível e eventualmente venda a custos controlados. Portanto, fazer uma miscigenação. Mas há muita gente no bairro do Segundo Torrão.
E nas Terras da Costa
MG: Aí é mais pequeno: há 50 agregados familiares. Não se compara. A dimensão do Segundo Torrão é outra. E há outros núcleos: há o primeiro Torrão, mais desconhecido, há as traseiras da Escola da Trafaria…
Os bairros de lata têm aumentado nos últimos meses?
MG: As Terras da Costa não. O Segundo Torrão não tem muito por onde crescer, mas este tipo de núcleos, quando não tem mais área para crescer, começa a crescer em altura.
Quando irá avançar o realojamento?
MG: Gostaríamos de estar em condições de começar a realojar no decorrer do próximo ano.
Será sempre com recurso ao financiamento do programa 1º Direito?
TS: Estamos a contar com ele porque são muitos milhões. A candidatura ao 1º Direito paga uma parte, mas tudo o que é a zona envolvente é feito pela Câmara. É um investimento que é difícil. Não digo que se não houvesse [financiamento via 1º Direito], não fosse procurar meios para o fazer. Poderia procurar outras soluções.
Neste momento Câmara de Almada tem saldo.
TS: Mas não pode esgotar todo o seu saldo de uma vez. E não sabemos o que temos no próximo ano. Vamos ter uma quebra muito grande. Este ano não vamos executar na receita a verba que achávamos que íamos incorporar. Por um lado, a Câmara vai cobrar menos e, por outro, gastou muito mais do que aquilo que estava a prever gastar com todo o apoio social que deu durante a pandemia e que vai continuar a dar. Portanto, estamos numa fase em que é preciso avaliar o que deixamos de cobrar e o que gastamos. Estamos convencidos de que 2020 vai ser um orçamento com quebras e achamos que 2021 vai ser pior ainda. Portanto, é um ano de incerteza. Mas nós elegemos a habitação como uma das nossas grandes prioridades. Sabíamos que a tarefa era muito grande e que tínhamos que começar por aqueles que estão em situação de maior fragilidade. E começámos, já muita coisa foi feita. Metade do que fizemos não se viu, mas há-de-dar frutos a curto prazo.
Leia também a primeira parte da entrevista, sobre o parque habitacional da Câmara e o novo regulamento Habit’Almada.