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Realojamento do Segundo Torrão: a angústia de quem tem que sair mas não sabe para onde

Quando faltam menos de dez dias para abandonarem as suas casas, muitas famílias ainda não sabem onde serão alojadas, se poderão levar os seus bens e animais de estimação ou qual o futuro escolar das crianças.

 

REPORTAGEM

Moradora no bairro do Segundo Torrão há cinco anos, Sindatche Pereira investiu numa pequena ampliação na sua casa para aí poder instalar o quarto do bebé de que está à espera. Na altura, não imaginava que, poucas semanas antes de dar à luz, iria receber a notícia de que teria que sair da casa que habita.

Grávida de sete meses, Sindatche está na lista de moradores que têm que abandonar o Segundo Torrão, na Trafaria, até ao próximo dia 30 de setembro devido ao perigo de colapso da vala de drenagem que atravessa o bairro. Com 32 anos, é a primeira vez que vai ser mãe e, quando faltam menos de duas semanas para o despejo, ainda não recebeu qualquer proposta de solução habitacional. “Fiquei sem chão. Por mais que tente, não consigo evitar a preocupação”, conta ao ALMADENSE.

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A situação de Sindatche e de uma outra mulher grávida em situação idêntica é das que mais preocupa Alexandra González, da associação Cova do Mar, que tem estado a acompanhar a situação das famílias no terreno. “Estão na fase final da gravidez e estão apreensivas porque não conseguem planear a chegada do bebé. Não sabem para onde vão quando saírem do hospital. Além disso, foi-lhes dito que não vai haver quarto para o bebé porque, enquanto não nascer, não conta para o agregado familiar. Nas mulheres grávidas há um duplo impacto, torna tudo mais instável”, descreve a responsável.

Até há pouco tempo local de recreio para dezenas de crianças, o espaço da “Fábrica dos Sonhos”, criado pela associação Cova do Mar numa das construções precárias do bairro, está agora transformado num improvisado gabinete de apoio aos moradores. Durante a tarde em que o ALMADENSE visitou o local, foram várias as famílias que por ali passaram a solicitar ajuda, quer na interpretação das cartas que receberam, quer na preparação e envio da documentação solicitada.

Lá fora, a tarde chuvosa de setembro fez com que as habituais poças de água se transformassem em grandes charcos de lama que é preciso contornar para conseguir circular. Com a chegada das primeiras chuvas pós-verão, cresce também a preocupação dos moradores.

 

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A chegada das chuvas fez aumentar a preocupação dos moradores.

 

Com uma casa situada mesmo junto ao rio Tejo, Marta Pereira Ferreira tem vista privilegiada para Lisboa. Da sua janela, é testemunha das oscilações do rio, por vezes tranquilo, por vezes agitado. Hoje está agitado. As chuvas trazidas pela depressão Danielle, aumentaram a inquietação da moradora. Como dizem a vala pode desabar, tenho medo”. Sobretudo quando sobem as marés, o “barulho” que se sente dentro de casa “é assustador”, descreve ao ALMADENSE.

Com 36 anos, trabalha em hotelaria em Lisboa e é mãe solteira de três filhos de 6, 8 e 20 anos. Embora tenha recebido carta de despejo, não foi incluída no processo de realojamento. Neste momento, a angústia principal prende-se com o filho mais velho, que estuda no Instituto Piaget e tem um problema cardíaco. “Esta situação está a afetá-lo, está muito preocupado, com problemas de ansiedade e pânico”, confessa.

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A necessidade de realojamento urgente decorre da identificação de 66 construções em perigo de derrocada, tendo como base um relatório do Serviço Municipal de Proteção Civil (SMPC) realizado em abril deste ano. O documento —que o ALMADENSE solicitou à Câmara Municipal, sem sucesso—, deu origem a um edital publicado no passado dia 10 de agosto, que apontava o “risco grave de colapso” e notificava os habitantes a abandonarem as suas casas até “ao início do próximo ano hidrológico”, apontando como limite o próximo dia 30 de setembro.

No entanto, quando faltam apenas dez dias para a data de saída, há apenas um agregado familiar realojado e somente 17 famílias contam com uma alternativa habitacional já identificada. A dificuldade em encontrar casas para alojar os restantes agregados familiares está a provocar apreensão junto dos restantes moradores.

Além disso, na mesma situação de Marta há, pelo menos, outras cinco famílias do bairro que, embora tenham a situação de residência regularizada, não foram incluídas na lista para realojamento, adianta Alexandra González, acrescentando que “as famílias já alertaram a CMA de que não têm para onde ir”.

 

Apoio aos moradores
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O espaço da “Fábrica dos Sonhos” transformou-se num gabinete de apoio aos moradores do bairro.

 

Eva Júnior é uma das moradoras que tem recorrido à associação Cova do Mar para obter apoio em todo o processo. Mãe de dois filhos e residente no Segundo Torrão há três anos, depois da incerteza inicial, acabou por ver a sua família incluída no segundo levantamento, feito em agosto, que acrescentou 14 agregados familiares aos 44 inicialmente sinalizados para realojamento. 

No entanto, apesar da proximidade da data de saída, Eva continua sem saber para onde irá depois de abandonar a sua habitação. No dia 8 de setembro recebeu por carta uma ordem de despejo que a informou que as pessoas, os animais e bens materiais terão que sair das suas casas até ao dia 30 deste mês. “Em menos de um mês recebi a ordem de despejo e fui avisada que tinha de sair”, conta ao ALMADENSE.

Com 37 anos, Eva trabalha num talho na Costa da Caparica e tem os dois filhos a frequentar a Escola Básica nº1 da Trafaria. “O meu filho vai fazer o último ano dele nesta escola, não quero tirá-lo daqui. Quando viemos para aqui morar, no início, ele sofreu bullying e eu tenho medo que isso volte a acontecer. Não foi fácil para ele adaptar-se e não queria que ele passasse por isso outra vez”, confessa.

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Com o ano escolar já iniciado, cresce a apreensão junto de muitos moradores, especialmente por não saberem o que responder quando os filhos lhe perguntam onde vão morar. A situação preocupa também a associação Cova do Mar, devido aos possíveis processos de mudança de escola que irão ocorrer caso os moradores sejam obrigados a ir viver para concelhos diferentes. “As famílias não conseguem tratar do processo de mudança de escola porque não sabem para onde vão viver. Sentem que lhes está a ser retirado o tapete”, refere Alexandra González.

Para Eva, outra das preocupações tem a ver com os seus bens. “Não posso levar a televisão, o fogão, o frigorífico? Estas são coisas que custam dinheiro. Algumas delas ainda estamos a pagar a prestações. Como é que ficam os nossos bens?”, questiona a moradora.

Sobre esta questão, também Alexandra González alerta: “Os moradores do bairro encontram-se em situação de pobreza, muitos deles em pobreza extrema. Perderem os seus bens, o pouco que tinham, poderá afundá-los ainda mais numa situação de pobreza”.

Para a Cova do Mar, não é difícil compreender a aflição que atravessa as famílias do bairro, uma vez que o projeto “Fábrica dos Sonhos”, que funciona há cinco anos numa das construções que se encontra junto à vala, também recebeu a nota de desocupação até ao fim do mês. Neste momento, a associação tem “uma equipa de advogados que está em negociações com a Câmara de Almada sobre o realojamento da “Fábrica dos Sonhos”, disse ao ALMADENSE, sem adiantar mais pormenores.

De resto, a situação de emergência que se vive no bairro fez a associação Cova do Mar dirigir a sua atenção para três frentes: “o futuro do projeto social que ali desenvolve junto das crianças do bairro, o acompanhamento da população que vai ser realojada e o acompanhamento daqueles agregados que, embora também estejam em cima da vala, ainda não estão no processo de realojamento”.

Muitas das preocupações foram partilhadas com os partidos da Assembleia da República, com quem a associação se reuniu nos passados dias 5 e 6 de setembro. Em concreto, questionamo-nos “se a Lei de Bases da Habitação está a ser cumprida neste realojamento, se os direitos humanos estão a ser cumpridos e, existindo uma lei que proíbe a discriminação, se está a ser cumprida”, explica a presidente da associação ao ALMADENSE. 

 

Incerteza quanto ao futuro
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Até ao momento, apenas uma casa foi demolida.

 

Face à incerteza sobre o futuro alojamento, os moradores temem vir a ser instalados num pavilhão, hipótese que chegou a ser levantada pela autarquia. “Há semanas que não consigo dormir em condições. Não quero ir para um pavilhão”, desabafa Eva Júnior.

O ALMADENSE procurou obter esclarecimentos sobre estas situações junto da Câmara Municipal de Almada, mas não obteve resposta. No entanto, na última Assembleia Municipal de Almada, realizada no passado dia 15 de setembro, o vereador com o pelouro da habitação, Filipe Pacheco, reiterou que “a Câmara se compromete, até dia 30 de setembro, a  apresentar uma solução de realojamento a cada agregado familiar elegível”.

Por sua vez, a presidente da CMA também se dirigiu a estas famílias. “Percebo muito bem as angústias e os medos, mas só peço que também entendam que nem sempre é fácil encontrar uma habitação perto de onde residem porque não há neste momento casas disponíveis”, afirmou.

De resto, a própria Secretária de Estado da Habitação, Marina Gonçalves, admitiu durante a recente audiência parlamentar a dificuldade em encontrar casas no mercado de habitação. Ainda assim, a governante deixou o compromisso de “até ao final do mês, encontrar soluções” para as famílias e afastou a hipótese do alojamento temporário num pavilhão. A resposta deverá passar pelo “arrendamento ou por uma solução de alojamento em empreendimento turístico”, afirmou. A solução será temporária, uma vez que a solução definitiva vai passar pelo realojamento nos fogos que serão construídos no Monte de Caparica.

De origem clandestina, o bairro do Segundo Torrão acolhe atualmente cerca de três mil moradores, que vivem com escassas condições de habitabilidade. O processo de realojamento em curso é o primeiro passo para a erradicação daquele que é o maior bairro precário do concelho de Almada.

 

Fotos: Andreia Gonçalves

 

https://almadense.sapo.pt/cidade/realojamento-no-segundo-torrao-provoca-apreensao-junto-de-moradores-nao-sabemos-por-que-e-que-uns-saem-e-outros-ficam/

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