Parceiros na vida e na arte, pai e filha Miragaia unem forças na performance “STBY”, que será apresentada na Trafaria. A sua relação vai muito além dos laços biológicos: partilham a sintonia artística e um compromisso com o envolvimento social. Apaixonados pelas tasquinhas locais, é comum vê-los a percorrer as ruas de Almada Velha ou os arredores da Avenida do Cristo Rei, onde vivem, em busca da bifana perfeita.
Enquanto Rodrigo Miragaia revê a sequência de vídeos que está prestes a projectar, Carolina, a filha, ajusta os últimos cabos e confirma se os sintetizadores estão prontos a funcionar. Mergulhada nas infinitas possibilidades dos sons eletrónicos, transforma em paisagem sonora o universo visual criado pelo pai, reagindo em tempo real às imagens — improvisa, interfere, dialoga com as projecções sobre paredes e acrílicos.
É assim que arranca “STBY”, a performance audiovisual que será apresentada no Casino da Trafaria, esta sexta-feira, dia 10 de Outubro, às 21h30. Com entrada livre, o espetáculo é o resultado de anos de investigação de Rodrigo Miragaia no âmbito do seu doutoramento em Multimédia, na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. STBY cruza vídeo, música e improvisação numa criação conjunta entre pai e filha, onde Carolina adiciona voz e sintetizadores, ampliando o universo sensorial da obra.
Da António Arroio a Almada
Miragaia é artista plástico e audiovisual. Começou o percurso artístico nos anos 80, na Escola Artística António Arroio, em Lisboa, e mais tarde licenciou-se em Artes Plásticas na Faculdade de Belas-Artes. Trabalhou no teatro “O Olho”, lecionou artes visuais em várias escolas do país e viveu alguns anos nos Açores, onde conheceu a mãe da sua filha.
No ano 2000 regressou ao continente com Carolina, então ainda bebé. Pouco tempo depois, a relação com a mãe da filha chegou ao fim e Rodrigo decidiu recomeçar noutro lugar: Almada.
“Escolhi Almada por uma questão de memória afetiva, do tempo em que estudava nas Belas-Artes. Vivi dois anos na antiga Fábrica de Automóveis Lemauto, em Cacilhas, um espaço cedido ao Teatro O Olho, onde trabalhava. Almada também foi uma escolha prática — os preços das casas ainda eram acessíveis, ao contrário de Lisboa.”
Carolina cresceu rodeada de arte, câmaras, projetores e quadros pintados pelo pai. Foi nesse ambiente que nasceu o seu interesse pela criação artística. Aos 10 anos, começou a aprender viola clássica, por sugestão de Rodrigo. Três anos depois, fundava a sua primeira banda, Vem Veneno, com forte presença na cena alternativa de Almada. Rodrigo acompanhava de perto: era motorista, técnico de som improvisado e fã número um. Durante a entrevista ao ALMADENSE, revelou conhecer de cor todas as letras escritas pela filha.
Duas gerações, um palco

Tal como o pai, Carolina frequentou a Escola António Arroio, seguindo depois para a licenciatura em Som e Imagem na ESAD, Caldas da Rainha. Ainda em jovem, frequentou aulas de fotografia experimental, onde se apaixonou pela fotografia analógica.
“Antes de entrar na Arroio, frequentei as aulas de fotografia experimental que meu pai lecionava na escola, chamada Fotolab, focada em fotografia analógica, o que despertou o meu interesse pela fotografia. Também comecei a compor. A Arroio também me estimulou a usar o caderno e a desenhar mas, antes disso, desenhar já era uma atividade que fazia com o meu pai desde criança, os desenhos colaborativos.”
Carolina tem hoje um percurso consolidado na música e nas artes performativas. Compôs a banda sonora do filme “Baan”, de Leonor Teles (2019), onde também foi protagonista. Lançou dois álbuns a solo, sendo o mais recente Exobiological (2024). Em 2023, venceu o Prémio Almada Jovem Promessa Artes (2023) e, este ano, arrecadou o prémio Sophia para Melhor Banda Sonora Original, em conjunto com Joana Niza Braga, também pelo filme “Baan”.
Apaixonados pelas tasquinhas locais, é comum ver pai e filha a percorrer as ruas de Almada Velha ou os arredores da Avenida do Cristo Rei, onde vivem, em busca da bifana perfeita ou a disputar uma partida de matraquilhos ou de snooker com a mesma paixão que dedicam à criação artística.
STBY: vídeo, som e improviso

A performance STBY estreou em Fevereiro de 2024, na Casa do Comum (Lisboa), com apresentações seguintes no Salão de Festas da Incrível Almadense, em Maio e Junho. Este ano, com o apoio da DGArtes, a digressão passou pelo Festival Volts no Porto, e seguiu para Lisboa e Caldas da Rainha.
A estrutura do espetáculo assenta em seis exercícios conceptuais de orquestração de vídeo com som. A equipa artística é multicultural e multigeracional. Carolina é responsável pela criação musical, juntamente com os músicos Ronaldo Januário, Rui Rodrigues e Tonya Nina. Na componente visual, além de Rodrigo, participa Carolina Soares, com projeções ao vivo e imagens pré-gravadas, como os gráficos 3D do artista Gonçalo Cabaça.
O ciclo de apresentações encerra-se no próximo dia 10 de Outubro, no Casino da Trafaria, às 21h30, com entrada livre e contributo voluntário.



