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Almada tem mais de 1000 edifícios em zona de risco de inundações costeiras

Núcleo urbano da Costa da Caparica faz de Almada o concelho da Grande Lisboa mais vulnerável às alterações climáticas. “Há muito tempo que a Costa é vulnerável, mas a partir de agora vai agravar-se”, alertam os especialistas. 

 

Quem circular hoje no paredão da Costa da Caparica e virar costas ao mar, facilmente percebe que grande parte do aglomerado populacional que ali se ergue se estende ao longo de uma grande planície costeira, situada entre o cordão dunar e a imponente arriba fóssil.

Ao longo do extenso areal, muitas vezes bem próximo da primeira linha de praia, foi-se erguendo nas últimas décadas um grande complexo habitacional, desde a Cova do Vapor até à Fonte da Telha.

Devido à sua dimensão, é este núcleo urbano que faz com que Almada se destaque como o concelho da Área Metropolitana de Lisboa (AML) mais vulnerável à crise climática e com os mais elevados custos de inação. A conclusão é do “Roteiro Nacional para a Adaptação 2100” (RNA2100), um projeto multissetorial promovido pela Agência Portuguesa do Ambiente e desenvolvido por uma equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

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A Costa da Caparica “é uma zona muito exposta e com uma grande densidade populacional”, começa por explicar Gil Lemos, coordenador do estudo, ao ALMADENSE.

Com centenas de edifícios construídos em zona de planície, mesmo junto ao litoral atlântico, a Costa da Caparica é, por isso, a região da Grande Lisboa que mais dificuldade terá para resistir ao previsível aumento do nível médio do mar. Também a oscilação das marés, as sobrelevações meteorológicas e a agitação marítima deverão acelerar os processos de erosão e causar inundações costeiras mais frequentes.

 

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Índice de vulnerabilidade na Costa da Caparica no cenário mais gravoso (RCP 8.5). Fonte: RNA2100

A curto prazo, o parâmetro mais crítico é a agitação marítima, “que pode provocar erosão e galgamentos”, aponta Gil Lemos. Além disso, recordando a tempestade Hércules, que em 2014 destruiu parte do paredão da Costa da Caparica, o investigador alerta para as “tempestades mais intensas, que podem originar alterações súbitas na praia e linha de costa”.

Até 2100, as projeções apontam para uma subida do nível médio da água do mar em pelo menos 80 centímetros (projeção média, uma vez que pode até ser superior). Por isso, para as zonas costeiras da Área Metropolitana de Lisboa, o projeto RNA2100 aconselha que, até ao final do século XXI, “as construções se deveriam situar apenas acima dos 8,4 metros de cota”, avança Gil Lemos.

No entanto, a maior parte dos edifícios da Costa da Caparica encontra-se abaixo desta cota. O próprio paredão erguido junto às praias urbanas apresenta uma cota máxima entre 6 e 7 metros. Por isso, prevê-se que dentro de 25 anos possa ocorrer entrada de água nas zonas urbanas, o que irá resultar em inundações cada vez mais frequentes em áreas habitacionais.

Quanto à duna da praia de São João da Caparica, embora tenha atualmente cerca de 8 metros de altura, “é uma estrutura arenosa, que também pode erodir se não for mantida”, avisa Gil Lemos. Prevê-se que, até ao final do século, a duna acabe naturalmente por recuar, reduzindo a sua altura máxima para 7 metros. No cenário mais gravoso (RCP8.5) e, na ausência de ações de recuperação, a duna ver-se-ia reduzida a 5 metros. Desta forma, perde robustez e protege menos o território.

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Maior número de edifícios em risco

Em termos de área, Vila Franca de Xira é o município da AML a apresentar maior extensão de território vulnerável à subida do nível das águas. Mesmo dentro do concelho de Almada, a área mais exposta a inundações é a zona ribeirinha do interior, que inclui o Cais do Ginjal, zonas de Cacilhas, Alfeite e Cova da Piedade. Contudo, a Costa da Caparica é a zona considerada mais vulnerável por ter o maior número de pessoas a residir nas áreas suscetíveis.

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Índice de vulnerabilidade em Cacilhas e Alfeite no cenário mais gravoso (RCP 8.5). Fonte: RNA2100

De acordo com o levantamento feito no Roteiro, Almada é o concelho da Grande Lisboa com maior número de edifícios localizados em zonas altamente vulneráveis, ou seja, em zonas que dentro de algumas décadas poderão sofrer inundações pelo menos uma vez a cada quatro anos (algo que se traduz num “período de retorno de quatro anos”). Com o ano de 2100 no horizonte, os investigadores identificaram em Almada (com especial incidência na Costa da Caparica) um total de 1071 edifícios situados em zonas de risco. Segue-se Setúbal, com 871 edifícios em zona vulnerável, o Montijo com 471 edifícios, o Barreiro com 449 edifícios, Vila Franca de Xira com 413 e o Seixal com 344.

O elevado número de construções localizadas em áreas vulneráveis traduz-se inevitavelmente num maior número de residentes em risco: no total, foram identificados em Almada 4224 moradores nestes edifícios, acima do Barreiro (3113), Setúbal (2672) ou Montijo (1723).

A Costa “está vulnerável há muito tempo, mas a partir de agora vai agravar-se”, alerta o investigador.

Daí que os custos da inação também sejam mais elevados no concelho de Almada. De acordo com os cálculos efetuados pelos investigadores, a despesa provocada pela ausência de ação neste âmbito no concelho poderá ascender a 1458 milhões de euros, muito acima dos 506 milhões de Lisboa, 356 milhões de Setúbal e dos 336 milhões no Barreiro.

 

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Medidas propostas

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O aglomerado populacional entre a Cova do Vapor e a Fonte da Telha é o mais vulnerável. Maria João Morais / Almadense

A equipa de investigadores defende, por isso, que, além das medidas de mitigação das alterações climáticas (focadas na redução das emissões de gases com efeito de estufa), o município de Almada deve reforçar as medidas de adaptação às alterações climáticas, com especial foco na proteção dos seres humanos. Em linhas gerais, estas medidas incluem a construção de barreiras e diques, a manutenção dos esporões, a estabilização das arribas, a reabilitação de dunas ou a realimentação de praias. Contudo, a médio prazo (a partir de 2070), as medidas podem mesmo incluir a relocalização da população residente nas zonas de risco.

Em concreto, os especialistas recomendam a continuação da alimentação artificial das praias da Costa da Caparica, que já tem vindo a acontecer nos últimos anos. A operação mais recente decorreu em 2019, com um milhão de metros cúbicos de areia colocados nas praias da Costa, num investimento que ascendeu a 6,3 milhões de euros.

No próximo ano, já está prevista nova reposição de areia, tanto nas praias urbanas como na praia de S. João da Caparica, com o investimento a subir para os 9 milhões de euros. Integrada no Plano de Ação – Litoral XXI, a intervenção tem como objetivo mitigar a erosão costeira e reduzir o risco de galgamento e inundações.

Nas últimas décadas, foram depositados 6 milhões de metros cúbicos nas praias da Costa da Caparica: num investimento que já supera os 20 milhões de euros.

A medida tem contribuído para atrasar o recuo da linha de costa. Contudo, “serve apenas para ganhar tempo”, aponta Gil Lemos. Este tipo de soluções, que visa proteger o sistema urbano de pessoas e bens, para além de alargar as praias para usufruto da população, só se justifica durante as próximas duas ou três décadas, (até cerca de 2050) refere o coordenador do estudo. Depois disso, com a previsível subida do nível do mar, “vai deixar de fazer sentido realimentar a praia”, indica.

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O paredão da Costa da Caparica tem uma altura entre 6 e 7 metros. Maria João Morais / Almadense

A partir daí, os esforços devem focar-se na preservação e reabilitação das dunas, com projetos como o ReDuna, que está em curso nas praias de São João da Caparica e da Cova do Vapor. Através do restauro ecológico dos sistemas dunares, o plano tem como objetivo impedir o recuo e erosão. “É o tipo de projeto que tem dado bons resultados para tornar a duna mais resiliente”, destaca Gil Lemos. Contudo, também é insuficiente para impedir a duna de perder robustez no médio prazo.

Já o paredão da Costa da Caparica, construído para proteger as populações, “é uma infraestrutura robusta”, refere o investigador. Para manter a eficácia nos próximos anos, é recomendada a sua elevação para 8 metros. No entanto, com a subida da água do mar, também subir a cota do paredão deverá deixar de ser economicamente viável “a partir de 2040 ou 2050”, refere.

Finalmente, no que diz respeito aos esporões, construídos entre 1969 e 1972 também com o objetivo de proteger a praia contra o avanço do mar, são estruturas hoje caídas em desuso, que os especialistas não recomendam prosseguir. “Melhoram de um lado da praia, mas pioram do outro”. Deixou-se de construir este tipo de estruturas porque “a sua eficácia é discutível”.

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Gil Lemos, coordenador do “Roteiro Nacional para a Adaptação 2100”. Maria João Morais / Almadense

Almada tem, de resto, em curso a execução de um Plano Municipal de Ação Climática 2030. O plano tem por objetivo tanto a mitigação climática (que passa pela redução das emissões), como a adaptação climática, que visa aumentar a resiliência do território face às alterações climáticas. As intervenções previstas incluem o projeto ReDuna, as Microflorestas, o Sun4All, o projeto europeu CoolLife Almada ou a Cicloficina. Tudo ações consideradas bem-vindas, mas também “insuficientes” para evitar a erosão e o crescente risco de inundações costeiras no concelho. “Falta uma estratégia a longo prazo”, aponta Gil Lemos.

Por isso, a partir de 2050 “será necessário mudar o caminho”, destaca o coordenador do estudo, que defende ser necessário começar a preparar as populações para um possível cenário de relocalização. Embora não seja um situação a ponderar no curto prazo, “é um processo que deve ser feito com calma e ponderação”. Por isso, recomenda que a sensibilização dos moradores em relação aos riscos futuros deve começar desde já. Está em causa uma quantidade de pessoas afetadas muito relevante: desde o Segundo Torrão, na freguesia da Trafaria, à Fonte da Telha, passando pela Cova do Vapor e zonas urbanas da Costa. Por isso, “para haver uma transição suave, é necessário começar já o processo de sensibilização, é importante informar os moradores e tornar o assunto presente”, defende.

 

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3 Comentários

  1. Achei bem interessante o estudo, os alertas de vulnerabilidade e as sugestões de como evitar problemas.
    Mas pergunto, não seria o momento de mudar a norma de uso de solo para proibir novas construções nestas áreas?

    • Claro Debora. Concordo consigo. Mas Almada vive do cimento.-… Quanto à Costa de Caparica, há dezenas de anos que se sabe que está cerca de 60cm mais baixa que o nivel do mar…. Mas isso não vai fazer desistir o imobiliário… Chegará a altura em que por cada fogo vendido oferecerão um barco com motor fora de borda…..

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