Apesar da proximidade à capital, aposta na mobilidade ciclável ainda não atravessou o Tejo. Numa altura em que cidades por toda a Europa incentivam a mobilidade suave, em Almada o carro individual continua a reinar.
Rui Sebastian já perdeu a conta às vezes em que se viu obrigado a pedalar em contramão na Cova da Piedade devido à fila de automóveis estacionados na ciclovia. “Ao não ter demarcação, nada impede os carros de ali estacionarem, o que é uma constante”, conta ao ALMADENSE o engenheiro ambiental (na foto), membro da Cicloficina de Almada. Residente na Ramalha, circula habitualmente de bicicleta pelo concelho, embora admita não ser tarefa fácil: “não há uma rede ciclável em Almada, apenas alguns segmentos sem ligação entre si, o que dificulta as deslocações”, constata.
Apesar da escassez de infraestrutura ciclável, também na margem sul do Tejo há cada vez mais adeptos da bicicleta, muitos deles motivados pela necessidade de distanciamento social imposta pela pandemia de Covid-19 e pelo receio de contágio nos transportes públicos. No entanto, embora muitas cidades portuguesas estejam a seguir a tendência europeia de promover a mobilidade suave, a aposta ainda não chegou a Almada.

Dos 223 quilómetros de ciclovia prometidos em 2012, quando foi lançado o Plano Almada Ciclável, apenas 20 quilómetros foram concluídos, de acordo com dados fornecidos ao ALMADENSE pela Câmara Municipal de Almada (CMA). No entanto, grande parte destas vias encontra-se hoje em mau estado, praticamente invisível ou serve para estacionamento automóvel.
Utilizadores lamentam falta de segurança
Inês Sarti Pascoal escolheu a bicicleta como meio de transporte por ser a opção “mais sustentável” que encontrou. No entanto, para a jovem residente no Feijó, a falta de uma infraestrutura adequada no concelho impede uma utilização mais generalizada da bicicleta em Almada. “Olhamos para o mapa e observamos que quem tem carro consegue deslocar-se entre todos os locais da cidade, mas quem quiser deslocar-se de bicicleta não consegue ir a quase lado nenhum”, conta ao ALMADENSE.
Por isso, muitas pessoas “vêem apenas o carro como alternativa”, aponta. “Se houvesse uma rede de ciclovias estruturante, que fizesse a ligação entre todas as freguesias de Almada, incluindo pontos chave como centros desportivos e escolas, este meio de transporte ia ganhar mais adeptos”, garante a jovem dirigente da Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta (MUBi).
Apesar de viver no concelho com a maior extensão de praias de toda a área metropolitana de Lisboa, Inês Sarti Pascoal tem dificuldade em pedalar até à Costa de Caparica em segurança. “Para além de não haver ciclovia, também não há nenhum caminho seguro. Qualquer trajeto que eu decida fazer, apanho estradas em que os condutores de veículos automóveis praticam altas velocidades”. E isso, sublinha, acontece porque as estradas do concelho estão desenhadas nesse sentido: “o das altas velocidades”.
De resto, a escassez de vias cicláveis, passeios e transportes públicos nos acessos às praias da Caparica motivou este Verão a intervenção de um grupo de utilizadores da bicicleta. O objetivo foi denunciar os “acessos medievais” às praias, alertando para a urgência da implementação um “plano concreto mobilidade suave” no concelho, especialmente importante no âmbito da “resposta à pandemia”.
Obras esquecem vias cicláveis
Embora a melhoria da rede viária seja uma prioridade para o atual executivo camarário (que nos últimos anos apostou na renovação de estradas, de forma a facilitar a circulação automóvel), a criação de uma rede ciclável estruturante continua esquecida. “Uma vez que o município está a investir o dinheiro dos contribuintes na reestruturação das estradas, não podia incluir as ciclovias e as vias partilhadas que se prometem há anos?”, questiona o grupo responsável pela intervenção na Costa de Caparica.
Um exemplo é a requalificação da antiga Estrada Nacional 377, na Charneca de Caparica, iniciada em Maio deste ano. Apesar do plano inicial prever a instalação de pistas cicláveis naquela que é uma das mais extensas estradas no concelho de Almada, o projeto final acabou por não contemplar a criação de qualquer ciclovia. Desde que tomou posse, em 2017, o único avanço feito pelo atual executivo camarário neste âmbito foi a pintura de uma via ciclável no paredão da Costa de Caparica e a criação de uma pista partilhada entre ciclistas e peões na estrada construída junto à praia da Fonte da Telha.

Questionada pelo ALMADENSE sobre planos futuros para o fomento da mobilidade suave, a Câmara Municipal de Almada (CMA) refere os projetos de execução de pistas cicláveis partilhadas entre bicicletas e peões na Estrada Florestal e na Avenida do Mar.
Em estudo, refere a autarquia, está ainda a criação de uma “via mista (ciclável/bus/tráfego lento a menos 30 km/h) no eixo central de Almada desde a rotunda do Centro Sul até Cacilhas” e a instalação de “trajetos para acesso à Faculdade de Ciências e Tecnologia, na Caparica, a partir de diversos pontos do Concelho”. Contudo, não há planos para a criação de qualquer via exclusiva para bicicletas no concelho, tal como pedem os utilizadores.
Apesar disso, os adeptos da bicicleta não desistem. “Estamos a assistir a uma revolução nas mentalidades das pessoas. Cada vez mais gente defende uma cidade para as pessoas e não só para os carros”, diz Rui Sebastian. “Lisboa está a perceber isso. Espero que Almada também aproveite a pandemia para fomentar a mobilidade suave”, conclui.
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