Carlos Filipe Alves, gestor de Património Cultural e vice-coordenador do Grupo Local da Iniciativa Liberal – Almada
O Alojamento Local tem vindo a suprir as falhas estratégicas do município no que diz respeito às dormidas dos turistas, apresentando-se, muitas vezes, como a única solução para quem visita Almada.
O alojamento local tem sido apontado, pela ala mais à esquerda do parlamento, como um dos principais responsáveis pela crise da habitação em Portugal. Com o argumento de que servem interesses de monopólios e de que estão ao serviço de investidores estrangeiros, o alojamento local tem sido alvo da ira de uma esquerda radical, estatista, que vê na propriedade privada uma ameaça ao coletivismo e ao parque habitacional. É hora de desconstruirmos esta ideia. E nada melhor do que factos para provar que a culpa da crise na habitação não é do alojamento local.
Primeiramente, quando a esquerda ataca a propriedade privada está diretamente a infringir a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, o art.º 62, nº. 1, onde diz: “A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte…”. Portanto, a propriedade privada é um direito inviolável, conquistado pelo indivíduo através do seu trabalho, esforço e talento. Atentar contra este direito, é violar um dos princípios mais básicos de liberdade: a realização pessoal.
Em segundo lugar, o alojamento local foi, nas últimas décadas, o motor para a renovação de centros históricos de muitas cidades. Os casos de Lisboa e Porto serão, porventura, os mais paradigmáticos. Esta renovação dinamizou múltiplos setores da economia que, depois da crise de 2008, estavam de certa forma estagnados, como era o caso da construção civil. Mais ainda, a renovação dos centros históricos, através do alojamento local, permitiu alimentar a “galinha dos ovos de ouro” da nossa economia: o turismo. O alojamento local converteu-se rapidamente numa alternativa económica às grandes cadeias hoteleiras, abrindo assim o mercado à concorrência e, por conseguinte, definindo novas regras nos preços. Em suma, assistiu-se à democratização do turismo.
Finalmente, o alojamento local converteu-se em muitos dos casos numa atividade profissional a meio e a tempo inteiro, onde os proprietários devidamente registados para o efeito – Registo Nacional de Alojamento Local (RNAL) – contribuem para o sistema fiscal português com todas as taxas e taxinhas inerentes ao exercício da sua atividade. Portanto, qualquer detentor de um AL tem de ser encarado como um pequeno e médio empresário que contribui ativamente para o desenvolvimento da economia local (comércio, restaurantes, bares) ao reter por mais do que uma noite um visitante.
Foquemos então a nossa análise de impacto em Almada. A pouco mais cinco quilómetros de Lisboa, Almada afigura-se cada vez mais como um destino turístico, beneficiando de uma extensão de costa com mais de doze quilómetros, anualmente visitada por milhares de pessoas.
Com efeito, de acordo com os censos de 2021, Almada possui 101.521 alojamentos familiares clássicos. Desses, 75.485 são residência habitual, 17.257 são residência secundária e, pasme-se, 8.779 encontram-se vagos. Este é um retrato que, volvidos quase três anos, pode ter sofrido poucas ou nenhumas variações. Vamos cruzar com os dados do AL e verificar o verdadeiro impacto.
Olhando ao RNAL, Almada possui cerca de 1.717 registos de AL espalhados por todo o concelho. Desses, 1.051 são apartamentos, 105 dizem respeito a estabelecimentos de hospedagem, 26 são hosteis, 480 moradias e 55 quartos. Entre os 1.717 registos, 70%, ou seja, 1.215 correspondem a empresários em nome individual.
Perante tais números, as conclusões são fáceis de retirar. O alojamento local corresponde a 1,69% da ocupação total dos alojamentos, uma percentagem residual, se comparada com a percentagem de alojamentos vagos que, no caso de Almada, correspondem praticamente a 8,74%. Portanto, quase 10% dos alojamentos em Almada estão vagos, desconhecendo-se, no entanto, quais as percentagens pertencentes ao Estado e ao setor privado. Urge tomar medidas no sentido de contrariar esta tendência. No que toca aos imóveis do Estado, é necessário fazer a sua inventariação e colocá-los no mercado de habitação. No caso concreto de Almada, converter parte desse património em residências estudantis beneficiaria o mercado de arrendamento e o bolso de milhares de famílias.
Perante uma percentagem de ocupação tão baixa, culpar o alojamento local pela crise na habitação enquanto, praticamente, 10% do alojamento em Almada se encontra vago, corresponde a uma falta de honestidade intelectual gritante e um ataque a um setor que contribui para o desenvolvimento da economia local, na medida em que responde às necessidades de alojamento de uma cidade que faz do turismo balnear uma das suas principais bandeiras. O AL tem vindo a suprir as falhas estratégicas do município no que diz respeito às dormidas dos turistas, apresentando-se, muitas vezes, como a única solução para quem visita Almada. Ter visão estratégica para o turismo, corresponde à integração e diversificação de soluções de alojamento, conjugado com uma preservação e promoção do património cultural e natural capaz de reter os turistas mais do que uma noite. Almada tem capacidade e recursos para isso.
Em suma, a culpa pela crise na habitação não é do alojamento local. A culpa é de décadas de políticas que não permitiram agilizar burocracias no licenciamento e construção. A culpa é das taxas, contribuições e impostos, que representam cerca de 40% do custo final de uma habitação.
Não expiemos os pecados socialistas no que toca à política de habitação nos últimos vinte anos, no alojamento local e nos milhares de proprietários que encontraram no AL a sua forma de viver e de obter legalmente os seus rendimentos. Não atentem contra a sua liberdade.