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Teresa Gafeira e um legado ao teatro em Almada: “Tenho orgulho no trabalho feito”

Antes da estreia de Um Adeus Mais-que-perfeito, criação da Companhia de Teatro de Almada para a edição deste ano do Festival de Almada, Teresa Gafeira sentou-se à mesa com o ALMADENSE para uma conversa sobre cultura, história, e o futuro do teatro nacional. “Não depende de nós.”

 

Os últimos dias têm sido preenchidos para Teresa Gafeira. Os ensaios atrasam-se e nunca são suficientes. “Infelizmente andei com muito trabalho e não tive muito tempo para preparar a peça agora. Mas pronto, está feito.” Refere-se, claro, a Um Adeus Mais-que-perfeito, criação do Companhia de Teatro de Almada (CTA) que integra o programa do 42.º Festival de Almada, que arrancou esta sexta-feira.

A peça estreia este sábado, 5 de julho às 18h, no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, e poderá ser vista também no dia 12, à mesma hora, ou nos dias 7, 9, 11, 15 e 17 às 21h30.

Nada a que a atriz e encenadora, de 72 anos, não esteja habituada, ou não fosse Teresa Gafeira uma figura incontornável da história do teatro, almadense e nacional, há décadas habituada a pisar os palcos como atriz e a levar à cena criações suas como encenadora.

No início deste ano, tinha já estado em cena no Teatro Municipal Joaquim Benite, interpretando a mãe de Marguerite Duras em Uma Barragem Contra o Pacífico, criação na qual, em conversa com o ALMADENSE, reconhece encontrar semelhanças com o trabalho que agora prepara para o festival. “Ambas são sobre mulheres que enlouquecem, sobre pessoas levadas ao limite e em conflito com o mundo”.

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Cena de um amor mais que perfeito
A peça de teatro “Um Amor Mais-que-perfeito” partiu da obra homónima do escritor austríaco Peter Handke. Créditos: Companhia de Teatro de Almada

Partindo da obra homónima do escritor austríaco Peter Handke, o contributo da companhia para a edição deste ano do festival pisa núcleos dramáticos semelhantes aos da reflexão colonial de Duras. No pequeno livro, escrito no encalço da morte por suicídio da mãe, aos 51 anos, o autor traça uma radiografia das circunstâncias que levaram ao fim trágico da progenitora. “É a história do Peter Handke e da Áustria, mas é sobretudo a história do indivíduo perante as circunstâncias. De como perante as condições históricas, sociais, acabam por ser atropelados”, explica a atriz e encenadora.

A peça estreia este sábado, 5 de julho às 18h, no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada. poderá ainda ser vista no dia 12, à mesma hora, ou nos dias 7, 9, 11, 15 e 17 de julho às 21h30.

Teresa Gafeira descreve a personagem da mãe como alguém que “tinha tudo para ter sucesso na vida”, mas para quem as circunstâncias contribuíram para o desfecho da sua vida – de ter crescido numa zona marginalizada da Áustria no pré-II Guerra Mundial, à paixão vivida com um soldado alemão, da qual o próprio Handke nasceu. Uma história cujos contornos que, no entender de Gafeira, podem facilmente ser aplicados ao presente. “Passa-se na Áustria no século XX, como se podia passar hoje em dezenas de sítios. É a condição humana, é universal.”

A semente do projeto teve origem quando, há quatro anos, leu pela primeira vez o livro, identificando-lhe de imediato um potencial teatral (algo que, diz, é para si “intuitivo”). Sendo a programação do festival feita a quatro anos, deu tempo para ir trabalhando o texto, escalpelizando as suas complexidades. “Percebi que é aparentemente simples mas, escrito por um grande escritor, tem uma estrutura muito sólida e muito bem pensada, escondida.”

E como detetar o potencial dramatúrgico de uma obra que não é, à partida, escrita para teatro? “Todas as correntes de teatro, mesmo as mais modernas, pressupõem sempre a existência de um conflito. Aqui, é o conflito de uma mulher com o mundo. Depois é uma questão de saber puxar por esse conflito.”

Décadas de teatro em Almada

A verdade é que a experiência ajuda sobremaneira, e experiência é algo que não falta a Teresa Gafeira. Como a própria faz questão de sublinhar, já lá vão mais de cinquenta anos desde que trocou a arquitetura pelas artes cénicas e quase tantos desde que trocou Lisboa por Almada, numa altura em que a levar o teatro a novos públicos era a ordem do dia.

“Se me perguntar se, quando penso nisto, tenho orgulho no trabalho feito? Claro que sim. É um trabalho muito sólido, sem interrupções.” – Teresa Gafeira, atriz e encenadora

“Foi a grande época para o que se chamou a “descentralização do teatro”. Não só em Portugal como noutros lados – em França, na América Latina… ir ao encontro do que chamávamos o “não-público”, as pessoas que nunca tinham visto teatro na vida.”

Só que, ao contrário de muitos dos colegas contemporâneos, a opção de Gafeira, depois de uma primeira experiência na Academia Almadense, não passou pelo interior profundo. “As pessoas iam para Évora, Portalegre, Trás-os-Montes… e nós começámos a pensar que havia muito público aqui na Margem Sul. Já conhecíamos isto, sabíamos que bastava atravessar o rio para encontrar gente e fazer teatro.”

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Desses anos, recorda uma terra muito diferente da “cidade do teatro” que as gerações atuais conhecem. “Antes de nós não havia nada disto, fomos nós que construímos isto tudo. E claro que tivemos ajuda, da câmara, dos nossos parceiros, das pessoas. O trabalho não foi só nosso. Mas a vontade é nossa.”

É também de vontade que se faz o Festival de Almada, que vem sendo organizado desde a década de 1980 e é hoje, porventura, o maior evento teatral do país, uma espécie de “Avignon portuguesa”.

A atriz e encenadora Teresa Gafeira a ser entrevistada pelo jornalista do Almadense, André Filipe Antunes
Apesar de ter tido os últimos dias muito preenchidos, Teresa Gafeira encontrou um momento para conversar com o ALMADENSE. Bruno Marreiros / ALMADENSE

A atriz e encenadora, que faz parte da direção da CTA, acredita que tal pode continuar – haja vontade em que assim seja. “Não depende de nós. Depende de quem decide onde investir o dinheiro, ao nível do Estado. Um festival é uma coisa muito cara. Mas não é dinheiro mal gasto. Já vi festivais em plena pujança morrer. Gasta-se dinheiro mal, em muitas coisas que não têm público. Não é questão de uns merecerem mais do que os outros, mas é o que é.”

Nem tampouco o legado histórico do festival o protege, no seu entender. “Ninguém liga nenhuma a isso. Ligam nos discursos, só. Mas há montes de anos que temos o mesmo dinheiro. E os gastos não são os mesmos. É pensar nos cachets das companhias, no transporte de cenários, nas equipas técnicas… os materiais, desde a pandemia, aumentaram de forma exponencial. Houve muita coisa que fechou, temos que mandar vir do estrangeiro… são coisas que não parecem nada, mas tudo somado acumula.”

Apesar disso, considera que o teatro “está de ótima saúde”, tendo sido dos setores culturais que melhor recuperou em termos de público e criação no pós-pandemia. “Há muita gente a fazer e muita gente a ver. Em todo o país, o que não falta é teatro”, diz. O caminho, por isso, é de continuidade, de garantir que as novas gerações continuam o trabalho iniciado pela sua – até porque, como a própria sublinha, “há sempre trabalho por fazer”.

E quanto à própria Teresa Gafeira? A atriz não está para epítetos de “embaixadora” cultural do município. “De maneira nenhuma, não,” No entanto, reconhece que há um legado que fica. “Se me perguntar se, quando penso nisto, tenho orgulho no trabalho feito? Claro que sim. É um trabalho muito sólido, sem interrupções. Desde 1978 já são 47 anos, sem nunca parar. E ainda estarmos de boa saúde?! É de ter orgulho, claro.”

Música, exposições e um curso de teatro acompanham o Festival de Almada

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