Em 2017 protagonizou uma das grandes surpresas da noite eleitoral ao arrebatar a Câmara de Almada ao Partido Comunista. Quatro anos volvidos, Inês de Medeiros defende a gestão feita no mandato, mostrando-se convicta de que os almadenses “não querem voltar para trás”. Em entrevista ao ALMADENSE, a autarca socialista fala sobre matérias como o combate à pandemia, emprego ou mobilidade, apontando as razões pelas quais não foi possível iniciar a construção de habitação pública no concelho. Sem esconder o “desânimo” em relação ao atraso de projetos como a Cidade da Água, garante que o Innovation District “já está para além do papel”.
Há quatro anos o Cais do Ginjal e a Cidade da Água eram considerados prioritários para devolver o usufruto da zona ribeirinha aos almadenses. Entretanto, ainda nenhum dos projetos está no terreno. É uma frustração que leva deste mandato?
São dois contextos muito diferentes. No caso do Ginjal, quando assumimos a presidência da Câmara, o Plano Pormenor estava em consulta pública. Eu estava convencida que as questões estavam todas resolvidas, mas infelizmente não estavam. Até as condições dos termos do contrato de urbanização estavam por definir. Havia ainda muito trabalho por fazer. Mas neste momento está tudo pronto. Só está preso por uma decisão judicial que é o reconhecimento da propriedade. Esse reconhecimento permitirá fechar o processo e iniciar o investimento.
E em relação à Cidade da Água?
Nos dois primeiros anos do mandato houve um grande empenho na Câmara para promover e apoiar e lançar a Margueira. Não tenho escondido, nem em relação ao Governo nem em relação à Baía do Tejo, nem em relação à Parpública o meu desânimo em relação à paralisia em que está aquele projeto. Há muitos investidores interessados, o interesse continua. Mas de facto é uma questão que não está nas mãos da Câmara. É pena, gostaria que estivesse. Vamos trabalhar em conjunto para criar condições para o projeto avançar. Mas a Câmara não ficou à espera destes projetos e lançou outros: em Cacilhas, no Morro, o Innovation District, também está em curso um projeto muito interessante para o Centro Sul, temos projetos no Laranjeiro, na Sobreda… Mas não gosto de falar deles enquanto não tenho a certeza. Disso os almadenses já estão fartos.
Tendo em conta o histórico em Almada em relação a projetos que não saem do papel, compreende o ceticismo em relação ao Innovation District?
Compreendo pela história. Mas neste momento o Innovation District já está para além do papel. Há uma série de projetos que têm a ver com agroturismo que estão a andar. Há um projeto de criação de 200 camas para estudantes, há um projeto para a reabilitação de um espaço desportivo. E recebi entretanto a notícia de que o projeto da reabilitação do Lazareto teve parecer positivo da CCDR e vai avançar. É uma área muito grande, que vai chegar até à Costa da Caparica e está tudo a andar. Tirando os projetos que dependem da revisão do Plano Diretor Municipal, todos aqueles que têm condições para avançar já estão a avançar. Portanto, os almadenses vão começar a ver muito rapidamente as obras no terreno. O Innovation District tem uma componente fundamental que é posicionar Almada como um cluster para uma economia da inovação, onde a academia tem um papel fundamental. Há toda uma dinâmica que não pode ser parada.
Precisamos de quase 160 milhões de euros para resolver todo o problema da habitação em Almada
O tema da habitação tem estado no centro da campanha autárquica. Neste nível, a Câmara lançou um novo Regulamento, o Habit’Almada, que define critérios para a atribuição de habitação social. Quantas candidaturas foram aprovadas no âmbito deste programa?
Os últimos dados não tenho. As pessoas inscrevem-se e os serviços fazem a avaliação das pessoas segundo os critérios de prioridade. Assim que se libertam casas, os serviços vão atribuindo segundo aquela ordem. O que é importante é que as pessoas saibam exatamente como é que a sua situação foi avaliada. Além disso, estamos a reabilitar fogos… No outro dia falei com uma senhora que está em desespero porque ficou sem casa e nós ainda não conseguimos ter a quantidade de casas suficiente.
Quantas casas foram entregues no último mandato?
Perto de 100. Há uma questão que é verdade: não conseguimos lançar neste mandato aquilo que foi o nosso compromisso. Mas temos uma candidatura junto do IHRU [Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana] para a construção de 96 fogos de renda apoiada, portanto para habitação social. A candidatura já está entregue, o projeto está concluído e até ao final do ano lançamos o concurso de empreitada.
Portanto, durante este mandato não foi possível construir habitação?
Não. Durante o mandato não foi possível construir. Por múltiplas razões: era preciso identificar os lotes, criar os projetos, encontrar os financiamentos e lançar os concursos, que foi o que fizemos. Há uma questão que as pessoas não sabem: as candidaturas ao programa 1º Direito e ao PRR exigem aos municípios a identificação nominativa das famílias que vão ocupar os fogos. E Almada não tinha nenhum tipo de levantamento das pessoas em carência habitacional. Como não tinha, nós nem sequer nos podíamos candidatar. Tivemos que fazer todo este trabalho no terreno, de forma meticulosa antes de nos candidatarmos.
Isso no que diz respeito a candidaturas a fundos do Estado ou a fundos europeus. Tendo em conta a emergência habitacional que existe em Almada, não poderia ter havido mais investimento do próprio município, uma vez que existem recursos financeiros?
Seria sempre muito residual. Podíamos ter construído dez casas, é verdade. Mas fizemos uma candidatura para fazer 100 casas. Não sei se tem noção que para estas 100 casas estamos a falar de 10 milhões de euros.
A Câmara acabou 2020 com um saldo de 44 milhões de euros…
É diferente. Quando nós chegámos, a Câmara tinha há dois anos consecutivos saldos operacionais negativos. Ou seja, tinha saldo de gerência de 13 milhões. Felizmente, neste momento temos um saldo de gerência superior. Isso é importante porque nos dá uma flexibilidade de gestão muito maior. Portanto dizer que 40 e tal milhões é muito… comparem com outros municípios. 40 e tal milhões não é nada.
Daria para construir muitos fogos por exemplo.
Não tanto quanto isso. Porque em simultâneo temos que ver os compromissos já assumidos. Ou seja, quando se faz um investimento temos que cabimentar e comprometer verba. Quando nós olhamos para o saldo, temos que olhar também para os compromissos. E os nossos compromissos são superiores ao saldo. Não é nada que nos preocupe porque temos tido uma boa gestão. Mas temos que ter a certeza que os compromissos que assumimos terão sustentação financeira. As contas certas são importantes para podermos planear o futuro e podermos investir.
Também vão apostar na reabilitação do parque municipal?
É urgente a reabilitação. O estado da habitação em Almada é muito mau porque se construiu da maneira mais barata e de pior qualidade do mercado. Portanto, edifícios que tenham 20 anos estão num estado vergonhoso, incompreensível. Já reabilitámos dois prédios e temos uma nova empreitada para mais dois prédios. São fogos que foram considerados prioritários por serem fogos municipais indignos. O investimento em Almada nos últimos quatro anos foi mais do dobro do que no anterior mandato.
No ano passado a vereadora com o pelouro da Habitação dizia ao ALMADENSE que o realojamento do Segundo Torrão iria começar este ano, mas ainda não arrancou. Que horizonte tem para este processo de realojamento?
Estamos a trabalhar em duas frentes: a construção desta primeira centena de fogos, e os mais de 200 que estão em fase final de projeto. Aqui temos que ser realistas e nunca me viu fazer promessas mirabolantes. Nós fizemos um levantamento das necessidades de habitação em Almada. A estimativa que fizemos é de que precisamos de quase 160 milhões de euros para resolver todo o problema da habitação em Almada, incluindo construção, reabilitação e as AUGI. Se o PRR for eficaz, espero que pelo menos o Segundo Torrão e as Terras da Costa, que é o mais urgente, esteja solucionado no período do mandato. Mas há aqui um problema em relação à habitação que tem que ser falado. Infelizmente, enquanto muitos municípios da AML conseguiram fazer a erradicação total das barracas, Almada não o fez. E quando não se erradica definitivamente as barracas, sabemos que a tendência para aumentar é enorme. E tem aumentado. Mas o pecado original está na falta de ambição da Câmara [então liderada pela CDU] aquando do programa PER, porque nessa altura havia todas as condições para acabar com os bairros de habitação indigna e degradada. Mas não o fez, em grande parte porque nem sequer disponibilizou lotes para construção. Portanto, deviam ter vergonha da gestão que fizeram. Além disso, há aqui uma questão ideológica porque sabemos que nunca consideraram que isto fosse uma preocupação municipal e que devia corresponder ao Estado Central.
Quando fala nos 160 milhões para a habitação, também inclui programas de renda acessível para as classes médias?
O maior programa é o protocolo com o IRHU para a construção de 3500 fogos para renda acessível. Depois há outras zonas do território que estamos a identificar como sendo possível para renda acessível, nomeadamente em Cacilhas. Mas em núcleos mais pequenos. Além disso, na proposta do nosso PDM há uma coisa fundamental que é a introdução da obrigatoriedade de 10% do investimento para construção ser para habitação pública, tanto renda apoiada como acessível. Mas isso é numa perspetiva futura.
Temos um projeto de 100 quilómetros de ciclovias em trajetos estudados e pensados
Passando para a mobilidade, a TST vai manter operação em Almada. Acredita que irá cumprir o contrato ou poderão repetir-se os incumprimentos a que os almadenses se habituaram?
Há uma questão fundamental que é: os termos do contrato são completamente diferentes. Agora os operadores privados passam a fazer uma prestação de serviços, o que significa que recebem o valor quilómetro pela distância percorrida. Portanto, o cálculo não é em termos de número de passageiros, mas em termos de quilómetros percorridos. Isso foi uma das prioridades do concurso, para garantir que o serviço público é cumprido.
As cidades têm vindo a reorganizar-se no sentido de se tornarem mais sustentáveis, mais amigas dos modos suaves: pedonal e ciclável. No último mandato não vimos muitos avanços em Almada neste âmbito.
Então não viram a quantidade de passeios que fizemos.
Mas não construíram ciclovias…
Temos que pensar de onde partimos. Temos que ser realistas. Sei que há temas que estão na ordem do dia e não os podemos esquecer, mas temos que ter consciência de onde é que partimos. E a prioridade da Câmara neste mandato foi criar passeios, segundo um regulamento vigente, que tem a ver com as pistas mistas em passeio para bicicletas e pessoas.
O regulamento não impede a criação de ciclovias segregadas.
Claro que não impede. Mas temos que ver em conjunto por onde passam essas ciclovias. Por isso, temos um projeto de 100 quilómetros de ciclovias em trajetos estudados e pensados, cuja proposta será debatida com as associações de ciclistas, com os moradores, com os almadenses. Nós tínhamos um Plano Almada Ciclável que não respondia às necessidades atuais. Um dos nossos projetos estratégicos é a criação de um corredor verde ao longo do IC20. Esse é um projeto que queremos lançar de imediato. Esse corredor tem dois paradigmas importantes: criar uma ciclovia, reabilitar ecologicamente toda a envolvente, criar espaços desportivos e de lazer. E se não fosse o boicote relativamente às obras que fizemos na Fonte da Telha, a Estrada Florestal já estaria concluída, bem como as vias de acesso às praias e provavelmente a Avenida do Mar já estaria em curso. A polémica da Fonte da Telha, que se baseia em falsidades, só tinha um propósito: bloquear. Impedir que se fizesse.
Relativamente ao Eixo Central, mantém os planos para a requalificação, apesar da contestação de que foi alvo?
Claro de mantenho. Mas esse plano não está fechado, há uma questão fundamental que é a articulação com o MTS (Metro Transportes do Sul) e com a nova rede de transportes. Certamente que haverá também uma via ciclável. Mas o espaço não estica… fizemos as apresentações públicas e ouvimos as pessoas. No Eixo Central o mais importante é que a rotunda do Central está aberta, que era fundamental, e a seguir vem a Gil Vicente. São as duas únicas obras aprovadas, mais nenhuma.
Queremos reposicionar Almada como um centro de criação de emprego qualificado
Almada foi historicamente uma cidade industrial, mas agora tem uma grande dependência do emprego em Lisboa. Que propostas tem para atrair emprego para Almada?
No estudo que fizemos no âmbito dos trabalhos para o novo concurso rodoviário, percebemos que 50% dos almadenses trabalham no território de Almada. Almada nunca foi nem será um dormitório. Neste momento, com as condições que Almada tem e com os parceiros que temos, a ideia é reposicionar Almada como um centro de criação de emprego qualificado, diferenciador, muito ligado à inovação, à arte à tecnologia, que tem a concretização no projeto do Instituto de Arte e Tecnologia da Trafaria.
Há algum plano de atração de emprego para as freguesias urbanas?
Sim, para a zona da Romeira. A ideia é reabilitar. Já há projetos no terreno como o Mercado da Romeira. Já reabilitámos a via e acreditamos que a zona tem todas as condições para ser um hub para startups, para nómadas digitais, há muitas possibilidades. Fazer ali um projeto comum. Almada tem um passado enorme de conflitos. E há que ultrapassar esta cultura do conflito, que foi muito alimentada pelo poder autárquico, que nós temos vindo a desfazer. Temos que passar para a cultura da parceria e da colaboração para a promoção de Almada, que tem tudo para ser um sítio de excelência da área metropolitana.
O comércio local vive momentos difíceis em Almada. Tem planos para estimular este sector?
Não é possível afastar a questão da pandemia porque teve um peso enorme no mandato. Tivemos que criar respostas de urgência a todos os níveis. Nestes dois anos era difícil não dirigir a nossa estratégia para os apoios de emergência. Quando olho para trás, é falacioso omitir os últimos dois anos. Muito do que estava previsto não pôde ser feito. Mas é uma grande satisfação ver que, apesar da pandemia, os grandes projetos estratégicos não pararam. Mesmo ao nível da cultura, conseguimos números que duplicam e triplicam o acesso à cultura, mesmo em pandemia, o que é uma coisa extraordinária.
Não houve uma única associação que fechasse por causa da pandemia
No entanto, os números divulgados indicam que Almada foi dos municípios da grande Lisboa que menos gastou com a pandemia.
Não é verdade. O que Almada fez foi criar um fundo de emergência. Por outro lado, usou os apoios que normalmente dá e que continuou a dar. Portanto, uma coisa é ter uma rúbrica específica, outra coisa é que quando continuamos a dar apoios ao movimento associativo, às entidades culturais, apesar deles não fazerem as atividades… Poderia dizer: “mal seria que não o fizessem”. Claro, mas houve muitos municípios que não o fizeram. Portanto, o que fizemos ao máximo foi canalizar o nosso orçamento para, dentro daquilo que eram as despesas normais, garantir apoios que podem não estar contabilizados como diretamente relacionados com a pandemia, mas que não deixaram de ser um suporte da atividade. Uma coisa é certa: não houve uma única associação que fechasse por causa da pandemia.
Mas houve muitos restaurantes, bares e comércio local que não resistiram à pandemia. Se calhar para alguns o programa Dinamizar chegou tarde, uma vez que só foi lançado em 2021.
Não creio. O que me dizem é que veio na altura certa. Em primeiro lugar, porque era a altura mais concreta para poderem contabilizar as perdas. Por outro lado, veio numa altura em que vão reabrir. Isso foi muito ponderado. Aí Almada fez a diferença porque deu apoios na altura em que as entidades mais precisavam deles. Até porque importa lembrar que os apoios municipais acumulam com os estatais. Portanto, o que nos têm dito é que na altura em que quiseram reabrir e reinvestir ou na altura em que acabavam os apoios do lay-off ou que os outros apoios diminuíram, foi quando a Câmara disse: “Estamos aqui”. A nossa preocupação foi que todos tivessem condições para reabrir bem.
Acredita que o município fez tudo o que podia para mitigar os efeitos da pandemia?
Podemos sempre fazer melhor. Não tenho a pretensão de sermos perfeitos. Mas uma coisa é certa: a primeira sondagem fez uma pergunta muito clara aos almadenses: qual era a opinião deles em relação à resposta à pandemia. E 68% reconheceu o esforço da Câmara. Isto não é uma impressão empírica. Eu não encomendei aquela sondagem. Isto são dados concretos.
As sondagens apontam Almada como um dos municípios mais incertos nestas autárquicas. Geralmente o presidente incumbente leva vantagem, mas isso não parece estar a verificar-se em Almada. Os almadenses não estão a reconhecer o trabalho feito?
Em primeiro lugar, há sempre o contexto específico de Almada. Há um passado que não podemos esquecer. Acho que as sondagens devem ser olhadas como tendências. E as sondagens em autárquicas são uma grande incógnita. É verdade que a primeira sondagem era algo estranha, dado o grau de satisfação que as pessoas tinham. Parecia um pouco contraditório, não tenho explicação para isso. Mas passámos de uma diferença de um ponto para quatro [na segunda sondagem]. Por isso, o que retenho é que há uma curva ascendente.
Está convicta de que a dinâmica é favorável ao PS?
Estou convencida porque ando na rua. Ando normalmente enquanto presidente e agora mais intensamente porque estamos em campanha. E o sentimento que eu tenho na rua é que as pessoas não querem voltar para trás. É normal, foram mais de 40 anos. A sensação que tenho é que os almadenses não querem voltar àquele discurso cinzento, triste, à Almada que se lamenta, do conflito, dos projetos falhados, que se arrastam durante anos. E a verdade é que em quatro anos não se recupera isso.
Fotografia: Carolina Frazão
https://almadense.sapo.pt/cidade/autarquicas-sondagem-coloca-ps-e-cdu-separados-por-quatro-pontos-em-almada/