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Instituto Piaget e Almada: “Era um deserto quando chegámos, hoje é uma localização privilegiada”

Em entrevista ao ALMADENSE, a presidente do Piaget de Almada reflete sobre a história da instituição, o seu mote de descentralização do ensino e os desafios que o ensino superior enfrenta, no presente e do futuro.

 

Nas suas palavras, Clementina Nogueira é “de outra geração”. Lembra-se de quando o terreno onde hoje se ergue o campus do Piaget de Almada, no Pragal, era um descampado de terra batida, um exemplo da desertificação da região (e do país) deste lado da Ponte 25 de Abril. Hoje o cenário mudou, e para isso, na sua opinião, muito contribuiu a chegada da instituição ao concelho, na década de 1980. “A ideia era começar na região uma dinâmica de desenvolvimento”, explica a presidente do Piaget de Almada, cargo que ocupa desde 2012.

Uma dinâmica que foi alcançada com a instituição como um dos seus grandes motores, afirma. Em entrevista ao ALMADENSE, a dirigente falou do percurso histórico do instituto, da sua implantação e crescimento e das dificuldades que atravessou ao longo dos anos (não esconde, por exemplo, que a década de 2010, ameaçou “a sustentabilidade” do projeto). Olha ainda para o futuro e para os grandes desafios no horizonte, da inteligência artificial às alterações demográficas, e reconhece que os próximos anos serão decisivos. “[É preciso] gerir tudo isto de forma harmoniosa, sem criar clivagens nem extremismos.”

A história do Instituto Piaget no concelho de Almada tem décadas. O que esteve na génese desta ideia, e como é que, em meados da década de 1980, tomaram a decisão de vir para o município?
O Piaget surge em 1979 sob a visão do fundador, o Dr. António Oliveira Cruz, um filósofo e um homem interessado nas questões da epistemologia e da educação. É ele que escolhe como patrono Jean Piaget, a quem dirige uma carta solicitando autorização para que o instituto tivesse o nome dele, pedido esse que é aceite pelo próprio Piaget.

Inicialmente, funcionou no espaço do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) em Lisboa. Mais tarde, veio este terreno onde nos encontramos, e foi iniciada a construção do edifício que albergou a primeira instituição de ensino do Piaget, a Escola de Educadores de Infância. Na altura a formação de educadores e professores do primeiro ciclo não era de ensino superior, só a partir de 1988 é que instituições como a nossa passaram a Escolas Superiores de Educação.

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Como funcionava nesses tempos?
Os estudantes tinham a parte teórica e prática em simultâneo ao longo de todo o curso, ao contrário do que acontece hoje, em que primeiro dá-se toda a componente teórica e só depois vem a parte prática. A mudança teve que ver com as exigências da tutela e o formato dos cursos, que hoje em dia estão praticamente todos formatados da mesma maneira a nível nacional. A partir de 1988 e da passagem a escola superior, surgiram outros cursos, nomeadamente os de professores do primeiro e segundo ciclo e a formação para áreas como a Animação Sociocultural. O campus em si também foi ganhando outras dinâmicas. Criou-se o Instituto Superior de Estudos Interculturais e Transdisciplinares (ISEIT), de via universitária (respeitando a diferenciação entre politécnicos e universidades), e uma terceira instituição, originalmente sediada em Santo André, no litoral alentejano, e que depois transitou para o campus, passando hoje a ser a Escola Superior de Tecnologia e Gestão Jean Piaget.

Mais recentemente, já neste ano letivo, criámos uma quarta escola, a Escola Superior de Saúde, que tem todas as características normais das escolas superiores de saúde, mas que tem também um curso pioneiro, que é a licenciatura em Medicina Tradicional Chinesa, que é a primeira do género no país e a nível europeu. Os três politécnicos estão também integrados com uma escola em Silves, que também é uma Escola Superior de Saúde, e à qual chamámos Instituto Politécnico Jean Piaget do Sul.

Ao todo quantos são os alunos no vosso sistema?
Cerca de mil e quinhentos.

Divididos por quantas áreas?
Temos sete licenciaturas no campus: três no ISEIT, duas na Escola Superior de Educação, uma em Tecnologia e Gestão e uma em Saúde. No próximo ano vamos ter mais duas na Escola Superior de Saúde, Fisioterapia e Nutrição, portanto no total teremos nove licenciaturas. Depois temos vários Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTeSPs), que são cursos de dois anos, abaixo do grau de licenciatura e que geralmente têm uma saída muito rápida para o mercado de trabalho. Temos um na escola de Saúde, quatro na de Educação, e uns dez na de Tecnologia e Gestão, ligados a áreas como a cibersegurança, automação, programação web, etc. Há uma panóplia grande de cursos nesta área.

Há pouco esqueci-me de referir que no campus temos também uma escola secundária profissional, do 10.º ao 12.º ano. Ainda há um estigma relacionado com o ensino profissional, por isso tentamos sempre que haja uma proximidade, e que estes estudantes possam ter no seu horizonte a continuação dos estudos, transitando para o ensino superior mais naturalmente.

A dirigente explica ao ALMADENSE que a vinda do Piaget para Almada teve como objectivo “começar aqui uma dinâmica de desenvolvimento pela presença da instituição”. Bruno Marreiros / ALMADENSE

O que motivou a escolha de Almada para o estabelecimento da primeira escola?
A ideia do Piaget, desde a sua fundação, foi sempre estarmos em locais que promovessem o desenvolvimento da região. Procuramos sítios afastados dos grandes centros urbanos, periféricos. Ao vir para Almada, a ideia era começar aqui uma dinâmica de desenvolvimento pela presença da instituição. Quem tem a minha idade sabe que esta zona era um deserto quando chegámos, não havia nada. Hoje em dia é uma localização privilegiadíssima — atravessamos a estrada e temos o comboio para Lisboa, o metro e os autocarros. A própria localização face ao centro de Almada era em si muito periférica. Foi uma aposta que foi feita aqui e noutros locais também.

Mas de que forma é que a instituição afeta essa dinâmica?
Ao colocar uma estrutura numa determinada zona, começa a haver movimento, deslocação de pessoas… cria-se todo um circuito que favorece a implantação de outras estruturas.

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Porquê a escolha de Jean Piaget como patrono? De que forma é que os princípios da instituição são norteados pelos seus ensinamentos?
Piaget foi um pensador, trabalhou muito questões relacionadas com a origem do conhecimento. Foi ele que identificou que para percebermos a origem do conhecimento tínhamos de ir até à infância: como é que a criança pensa, como é que aprende, como se desenvolve. É um marco em termos do pensamento filosófico e um autor de referência para o nosso fundador, que o conheceu pessoalmente e achou que a sua obra e as suas ideias eram suficientemente importantes para que houvesse uma instituição com o seu nome. Dito isto, não há nenhum modelo pedagógico que Piaget defendesse em particular.

Como é que esse objetivo de descentralização tem evoluído face às mudanças do país nas últimas décadas? É mais desafiante hoje responder a estas questões?
Há duas ou três coisas que têm de se ponderar. Em primeiro lugar, enquanto entidade privada, o Piaget tem dificuldade em competir com o ensino superior público. Os nossos estudantes pagam uma propina que não se compara à do público, que tem o apoio do Estado. A nossa opção de nos colocarmos em zonas menos centrais é, também, uma forma de atrair estudantes que, provavelmente, não conseguiriam estudar nos grandes centros urbanos. Depois, tivemos recentemente um grande desafio demográfico, com uma quebra no número de jovens em idade de entrar no ensino superior. Quando isto acontece, obviamente que as instituições que se ressentem mais são as privadas – ninguém vai pagar uma propina de 300 euros mensais quando pode pagar 2.000 euros por ano. Foi uma fase difícil do ponto de vista da nossa sustentabilidade. Nos últimos anos temos tido de novo um crescimento, não só pelo contexto português como também pela muita imigração que temos, há muitos alunos brasileiros, dos PALOP, …, há uma diversidade muito grande na origem dos nossos estudantes.

vista dentro do instituto piaget
A zona que envolve o Piaget de Almada desenvolveu-se após a chegada da instituição. Bruno Marreiros / ALMADENSE

Que áreas têm tido um aumento da procura? Estou a pensar por exemplo nos cursos ligados à tecnologia…
Essa é realmente uma área onde temos verificado um grande aumento de procura, até porque em termos de saídas profissionais os estudantes quase não precisam de procurar, muitas vezes transitam diretamente dos estágios para um emprego. Áreas que também procuram muito, pelo menos aqui no nosso campus, são a Psicologia, e as áreas relacionadas com o Desporto e a Educação Física. Em ambos os casos, quem quiser seguir a carreira de professor tem de fazer mestrado, e no Piaget temos mestrados para os formar.

E em sentido inverso? Áreas que tenham menos procura agora do que, por exemplo, há dez ou quinze anos?
Penso que tem havido um aumento de procura em praticamente todas as áreas. No entanto, uma área curiosa a este respeito é a gerontologia: temos um CTeSP que nunca conseguimos abrir. Sabemos que há uma procura enorme por pessoas que trabalhem com idosos, mas por algum motivo é uma área que não é atraente para os estudantes, nunca temos candidatos em número suficiente para abrir o curso.

Estando em Almada há tantos anos, como é que o conhecimento que inevitavelmente terão do território informa a vossa ação aqui?
Temos uma relação muito próxima com a comunidade por via dos estágios, que são maioritariamente na zona de influência da instituição, e com várias estruturas da câmara, juntas de freguesia e Santa Casa da Misericórdia, onde participamos enquanto parceiros. Mesmo nas próprias escolas básicas, temos assento em alguns conselhos gerais por convite. E é uma relação recíproca, tentamos da nossa parte incluir também esses parceiros nas nossas atividades. Recentemente, por exemplo, fizemos uma reunião do conselho consultivo onde achámos pertinente convidar representantes de entidades que pudessem refletir connosco sobre a oferta formativa que temos e qual seria necessário desenvolver face às realidades no terreno. Queremos aproximar-nos dessas organizações, justamente para que nos possam dizer: “Atenção, se calhar estão a investir numa área que não é muito importante, o que era necessário era apostar noutra”. E temos um conjunto de interlocutores que nos deram esse feedback.

Que feedback? Que desafios antecipa o Piaget para os próximos anos?
Penso que há aqui uma questão, um desafio cada vez mais presente e também uma oportunidade, que passa muito pelas tecnologias, com tudo aquilo que acarretam. Por um lado, o avanço e a rapidez com que estas áreas se desenvolvem faz com que haja alguns extremos na literacia tecnológica: os jovens têm muita apetência para tudo o que é tecnologia, enquanto outras gerações ainda não acompanham essa evolução.

Depois, não se pode falar de nada disto sem passar pela inteligência artificial, que é uma área que vai continuar a ter um crescimento muito grande. Vai ser um desafio muito exigente, sobretudo ao nível do ensino. Os estudantes agora vão ao ChatGPT e fazem os trabalhos. Os professores vão ter de encontrar formas de trabalhar os conceitos e preparar os trabalhos sem colagem ao ChatGPT. Usá-lo como recurso, sim, mas não como solução e trabalho finalizado.

Há também as questões relacionadas com as migrações e a diversidade. Temos um tecido cultural em Almada com mais de 100 línguas no território, pessoas de culturas diferentes, e é desafiante para a formação das pessoas e para a coesão do território, gerir tudo isto de forma harmoniosa, sem criar clivagens nem extremismos que não interessam a ninguém.

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