AUTÁRQUICAS 2025
Em busca de um terceiro mandato à frente da Câmara de Almada, Inês de Medeiros reconhece que ainda há muito por fazer no território, mas defende o legado de oito anos do executivo socialista. Em entrevista ao ALMADENSE, a autarca defende o trabalho feito na habitação e reafirma a importância do prolongamento do metro até à Costa da Caparica e à Trafaria. Não descarta entendimentos à esquerda, mas considera que é preciso que esta “saia um bocadinho do seu mau perder”.
Oito anos depois de assumir a presidência da Câmara de Almada, esta era a cidade que imaginava? Considera que fez tudo o que estava ao seu alcance ou sente que ainda ficou muito por fazer?
Bom, se esta era a Almada que eu imaginava há oito anos… sim. Se ainda há muito por fazer? Sim. Sabendo nós que, para o presidente, o ciclo autárquico é de 12 anos, é natural que tenhamos criado uma estratégia numa perspetiva de três mandatos. Há muita coisa que foi lançada, muita coisa que está pensada, que foi alterada e que está em fase de concretização. Em termos de trabalho visível, Almada nunca teve tantos projetos em curso, seja ao nível das escolas, dos centros de saúde, da requalificação do espaço público, da criação de novos espaços como a Loja do Cidadão, seja com os projetos de requalificação da EDP — que está pronto para arrancar e que só não arrancou porque tivemos que dar prioridade ao PRR —, de uma série de outros pequenos espaços no centro da cidade. A criação, por exemplo, de mais espaços verdes na Charneca de Caparica. É também uma grande satisfação saber que a extensão do metro até à Costa e à Trafaria já está em fase de projeto. Foi uma grande batalha, foi preciso convencer muita gente que isto era, de facto, prioritário, para termos uma política de mobilidade coerente e reforçarmos a centralidade de Almada no seio da área metropolitana de Lisboa.
Considerando tudo o que ainda ficou por fazer, que entraves encontraram nestes dois mandatos que impediram a concretização de mais projetos?
Em primeiro lugar, encontrei em Almada uma série de projetos avulsos e quase autonomizados, muitos deles aliás fora do poder municipal. É outra coisa que temos reclamado: que estes grandes projetos estratégicos venham o mais possível para o município. São grandes planos, alguns muito ambiciosos — diria até megalómanos — e que, talvez por isso, nunca se realizaram: sejam os planos da Margueira, para o Ginjal, para Cacilhas, os da CostaPolis, o Almada Nascente e Poente… Era fundamental que pudessem estar todos inseridos num único plano, que neste caso é o nosso Plano Diretor Municipal (PDM), e que Almada, de alguma maneira, tivesse algum poder sobre aqueles territórios. Não é fácil, porque a maior parte são do Estado Central e eles não gostam de partilhar, mas a verdade é que também não fazem…
Alguns desses grandes projetos mais emblemáticos realmente têm ficado parados. Ficou surpreendida com as dificuldades que se colocam a alguns destes projetos?
Fiquei surpreendida, por um lado, com os entraves que se colocam a muitos desses projetos, com a dificuldade que realmente existe em lançá-los e colocá-los no terreno. E fiquei surpreendida com a quantidade de entidades que têm poder sobre o território de Almada, e sobretudo com a resistência em confiar no município para que esses projetos se concretizem. Ficámos muito felizes quando, em 2019, fizemos o protocolo com o IHRU para a construção de um projeto de 3.500 fogos. E é com satisfação que vejo que já estamos a executar 1.100 (estão quase 600 no terreno em construção e mais de 500 em fase de projeto). O problema é que os melhores terrenos, os sítios mais estratégicos e com maior potencial, não estão na mão da câmara. E não acredito que fosse só por oposição do Governo, que não houvesse também uma certa vontade do executivo anterior de não ter que assumir esses grandes projetos. A grande alteração que houve nestes oito anos foi a forma empenhada como temos vindo a reclamar estes projetos. É importante que as várias entidades, sobretudo o Estado Central, percebam que não só nos têm que deixar liderar as coisas, como também têm de continuar a garantir o financiamento para que o possamos fazer.
Essa falta de terrenos é o que explica o facto de nestes últimos quatro anos não terem sido entregues fogos novos na habitação?
Isso não é verdade, foram entregues fogos novos. A Febo Moniz estava fechada há mais de 10 anos e já foi toda entregue. A Quinta da Caneira também. Os fogos que adquirimos, que fomos ao mercado comprar, foram todos entregues. O próximo que está pronto é Vale Linhoso, está em conclusão.
Estamos a falar de reabilitações…
E construção nova. A Quinta da Caneira e Vale Linhoso são construção nova, completamente nova.
Essas construções estão incluídas nos 95 fogos destinados a realojar os moradores do Segundo Torrão?
Os moradores do Segundo Torrão não podiam esperar até o final da construção. O que aconteceu é que para os moradores que tivemos que retirar de urgência, recorremos ao “Porta de Entrada” e foram realojados, alguns fora do concelho. Mas houve o compromisso da câmara de que aqueles que quisessem voltar o poderiam fazer, e já estão todos realojados em Almada.
Portanto, esses 95 fogos não seriam só para esse realojamento?
Não são, nem faz sentido gerirmos a habitação dessa forma. Temos uma Estratégia Local de Habitação e as pessoas não podiam ficar à espera da construção final. É bom não esquecer que a câmara tinha 2.200 fogos municipais (agora já tem cerca de 2.400) que estavam num estado absolutamente vergonhoso. A primeira coisa que fizemos foi o levantamento do estado da habitação municipal porque, ao mesmo tempo que estamos a construir, também é muito importante poder reabilitar e reabrir casas. Temos agora o projeto da requalificação integral de Santo António, no Laranjeiro e Feijó, que é outra empreitada muito grande. Temos sobretudo que ter uma política de habitação que seja flexível e que garanta casas dignas às pessoas.
Ainda assim, há muitas famílias em fila de espera, que aguardam habitação pública da câmara. O ritmo de entrega de casas ficou aquém do que seria necessário para poder dar resposta a quem precisa?
Curiosamente, a fila de espera de pessoas que se inscrevem no programa Habit’Almada fica aquém daquilo que identificámos como necessidades. Por exemplo, as pessoas do Segundo Torrão, a maior parte não se inscreveu a pedir casa. Ou quando acabámos com o bairro das Terras da Costa… essas pessoas não estavam inscritas. Portanto, mais importante do que o número da fila de espera é identificarmos as necessidades das pessoas.
No Penajóia e Raposo não é verdade que sejam as pessoas que estão a construir as suas casas: há um esquema mafioso, as casas são todas iguais, o material vem dos mesmos fornecedores. É obviamente um negócio instalado.
Nos últimos anos, os bairros do Penajóia e Raposo tornaram-se um problema, com os moradores a precisarem de realojamento. Para quando?
São coisas diferentes. O Segundo Torrão, assim como as Terras da Costa, estão na nossa Estratégia Local de Habitação e cumprimos o que prometemos, que era acabar com pelo menos um deles. O Segundo Torrão é bastante maior, mas já fizemos uma primeira fase de realojamentos e queremos entrar na segunda. A questão é que a habitação não é uma pergunta de “quando”. É assim que há casas, e as casas não se fazem por decreto, não basta assinar um papel. No caso do Segundo Torrão, temos que ir de forma faseada, como fizemos nas Terras do Lelo e Abreu, que foi um realojamento que se dizia impossível e que ocorreu sem o mais pequeno incidente, foi feito faseadamente e nunca foi necessário chamar as forças de segurança. Outra coisa é Penajóia e Raposo, que é um caso muito recente. E que não é propriamente um bairro de barracas, é quase uma urbanização, só que sem as necessidades básicas, sem água, sem luz, sem esgoto. E que está 100% num terreno de Estado. No Penajóia e Raposo não é verdade que sejam as pessoas que estão a construir as suas casas: há um esquema que considero até mafioso, as casas são todas iguais, o material vem dos mesmos fornecedores. É obviamente um negócio instalado e desde que começou que contactámos o IHRU para que fossem tomadas medidas. A câmara estava disponível para colaborar imediatamente. Na altura foi-nos dito para não fazermos nada, que o IHRU iria fazer um levantamento social. O que estava certo, qualquer ação de realojamento começa por aí. O problema é que passaram dois anos e meio e esse levantamento não está feito.
E a câmara não pode fazer esse levantamento?
Pode fazer esse levantamento se o IHRU lhe der indicações para isso. Agora, quando o IHRU diz que não temos técnicos para fazer o levantamento… não sei quantos técnicos é que acha que a câmara tem. Não estamos a falar de um privado, estamos a falar do instrumento criado pelo Estado para garantir a habitação. Nunca nos furtámos a colaborar com o IHRU naquilo que precisasse, é preciso é que o IHRU esteja disponível e o queira fazer. Chegou a criar uma espécie de grupo de trabalho com uma associação de moradores, na altura aliás ainda no governo do PS, e não quis que a câmara fizesse parte, excluiu a autarquia. E, desde então, já com este governo, tivemos várias reuniões, continuam a dizer que vão criar grupos de trabalho e equipas multidisciplinares, mas nunca nada sai do papel.
O IHRU deve ter ordens para não fazer nada [em penajóia], para o senhor primeiro-ministro poder vir dizer que a habitação precária nasce em municípios de esquerda.
Continua então a incerteza sobre como proceder?
Não sei se há incerteza. Acho que no outro dia o primeiro-ministro explicou o porquê dos dois anos de total ausência de ação. O que percebemos é que pelos vistos o IHRU deve ter ordens para não fazer nada, para o senhor primeiro-ministro poder vir dizer que a habitação precária nasce em municípios de esquerda.
E não há nada que a autarquia possa fazer no sentido de colocar mais pressão sobre as entidades?
O que é que nós podemos fazer mais? Desde queixas ao Ministério Público, queixas-crime contra o IHRU por crime ambiental, os ofícios que mandámos, reuniões, declarações minhas em todos os fóruns… está inclusive a correr uma carta aberta, assinada por mim, pelos presidentes de junta e pelos moradores dos bairros envolventes, a exigir que haja medidas. O que é que nós podemos fazer mais? É muito fácil vir dizer que a câmara não está a pressionar o suficiente. Digam-nos lá, qual é o instrumento que podemos usar? Fazer queixa ao Tribunal Europeu? No nosso quadro legal, aquilo é um terreno que é 100% do Estado e que nem sequer está previsto no nosso PDM, o IHRU não precisa do licenciamento da Câmara para construir. Como é que é possível aqueles terrenos nem sequer estarem no PDM de Almada? Vão estar agora porque nós exigimos, mas porque é que não se pôs no PDM de 1997?
A operacionalização do PRR tem sido um calvário, porque o IHRU é totalmente incapaz de liderar um projeto desta dimensão.
A verdade é que a questão da habitação é transversal à Área Metropolitana e a todo o país. Deveria haver uma resposta mais robusta a nível nacional para enfrentar este problema? Como é que olha para o pacote recentemente apresentado pelo Governo?
Os anúncios deixei de comentar, quero ver em concreto o que é esse pacote. Do pouco que foi anunciado, só posso concluir que o primeiro-ministro deve achar que vive no Mónaco, onde 2.300 euros é uma renda moderada… enfim, é ver como é que se operacionaliza. Vi lá que há várias linhas de crédito, mas é crédito para quem? Para os privados, para nós? E a questão das cooperativas, como é que vão funcionar? É um problema demasiado grave para continuarmos a tratar isto com ligeireza. A habitação tem que deixar de ser uma bandeira proclamatória. Há urgência. Uma coisa muito positiva foi em 2019 o governo socialista recolocar na agenda a habitação pública e relançar os meios para se voltar a construir. Entretanto, surgiu o PRR e foi também graças ao governo socialista que a Europa aceitou financiar habitação. Desde então, a operacionalização do PRR tem sido um calvário, porque o IHRU é totalmente incapaz de liderar um projeto desta dimensão. Em quatro anos que havia de PRR, passaram dois anos a discutir regras, porque obviamente nós autarcas éramos todos corruptos e íamos desviar dinheiro… Resultado: estamos a chegar ao fim com 26% do PRR executado, porque na realidade as candidaturas para a habitação abriram ao fim de dois anos. Os municípios que conseguiram lançar projetos por sua conta e risco ainda conseguiram fazer qualquer coisa. Neste momento, em projetos e em construção, ainda estamos em dívida com 17 milhões de euros. Mas candidatámos 56 milhões…
Quantos fogos no total?
É difícil dizer. Cerca de 450 em construção, depois havia muita reabilitação. Os 140 fogos da Costa da Caparica acabaram por ficar fora do financiamento, a reabilitação de Santo António também. As candidaturas entraram, mas o financiamento acabou. Depois os preços aumentaram com a inflação, o preço da construção duplicou ou triplicou em alguns casos, e a verba que estava prevista já não dava para tantos projetos. Daí a necessidade de garantir uma continuidade do PRR. Agora, não podem ser só os municípios a avançar. Houve municípios que se endividaram muito para poder avançar. Depois houve várias estratégias, como o Seixal, por exemplo, que decidiu não construir e apostou na aquisição. É uma estratégia possível, mas em Almada não há sequer casas suficientes à venda para adquirir.
Quanto às habitações em construção no Monte de Caparica são vocacionadas para arrendamento acessível. Tendo em conta a necessidade, não poderiam também servir para realojamento?
Em princípio, essas são só para arrendamento acessível. Almada tem uma grande falta de arrendamento acessível para jovens, para pessoas que têm rendimentos acima daquilo que é a renda apoiada, mas que não conseguem ir ao mercado. Mas também estão a crescer naquela zona [Monte de Caparica] construções privadas e isso nós consideramos positivo: que haja mistura. Nós estamos a fazer construção apoiada de grande qualidade, que não tem o selo “Aqui moram os pobres”. Queremos que a habitação seja em si um instrumento de integração, de não descriminação e de igualdade. Portanto, aqueles fogos são para arrendamento acessível, não são para realojamentos. É importante dizer isso porque houve muita gente que foi ao engano para Penajóia e Raposo pensando nisso. Só não percebemos porque é que as obras no último ano e meio têm estado praticamente paradas. O IHRU chegou a lançar um concurso para as pessoas se inscreverem e depois deitou-o abaixo. Não percebi porquê. Entretanto, nós também pedimos a cedência de terrenos para a construção de mais 500 fogos no âmbito do PRR e nunca cederam.
Para fechar a questão da habitação, foi lançado um programa de apoio ao arrendamento. Em 2025, apenas 89 famílias beneficiaram desse programa. Este apoio é suficiente face às necessidades existentes? Está previsto algum reforço?
Temos intenções de o reforçar, claro que sim. Só não começámos com mais força porque ou investimos na construção ou na reabilitação… mas tentamos agir em todas as frentes. Importa dizer que esse apoio é de três anos. E as pessoas podem candidatar-se antes de arrendarem. Assim, já sabem com o que podem contar.
é bom que os almadenses saibam que todo o lixo que estão a pôr na rua vai parar à fatura da água.
Outro dos grandes problemas apontados pela população tem que ver com a higiene urbana. O que é que a autarquia pode fazer para reverter esta situação e que compromissos pode assumir nesta matéria?
A política de resíduos, ou olhamos para ela a nível metropolitano com muita seriedade ou vamos ter um problema gigante, até porque os aterros estão completamente cheios. Já ultrapassaram praticamente os limites e não são solução. Por outro lado, os custos da Amarsul privatizada para os municípios são incomportáveis. Estimamos este ano uma fatura de 12 milhões de euros. Não é possível. Quando cheguei, o preço da tonelada rondava os 22 euros a tonelada. Neste momento está em 77 euros e querem aumentar. Mesmo assim, temos estado a recolher cada vez mais e mais. Até agosto deste ano já recolhemos mais 4 mil toneladas [de resíduos indiferenciados] do que no ano passado. E isto são toneladas que todos os almadenses pagam.
É também necessário um reforço da fiscalização, de sensibilização?
Não tenho dúvidas disso. Queremos criar equipas, piquetes quase especializados. Vamos ser realistas, não vai haver uma câmara de videovigilância em cada ecoponto — eu não gostaria de viver numa sociedade assim e mesmo que gostasse não há possibilidade, o RGPD jamais aceitaria. Mas é preciso mais fiscalização, e aqui acho que a Polícia Municipal pode ter um papel muito relevante: andando pela rua em permanência, poder autuar logo.
Feito o diagnóstico, o que é que a Câmara se propõe fazer?
No verão temos sempre um problema de falta de mão de obra, temos de recorrer a empresas privadas para garantir o reforço do trabalho. Mas as próprias empresas estão com falta de mão de obra. É um problema real, mas a recolha normal está a correr sem problemas. Temos imensos problemas com os monos e com o entulho, sem dúvida. Isso até está delegado nas juntas e nós reforçámos os apoios, mas percebemos que as próprias juntas já não conseguem dar vazão a tanto lixo. E é bom que os almadenses saibam que todo o lixo que estão a pôr na rua vai parar à fatura da água. Claro que também queremos reforçar equipas. Mas, mesmo reforçando equipas da câmara, há uma realidade diferente hoje. Já nenhum jovem se inscreve para a recolha de lixo para ficar 30 anos. O que é compreensível, alguns até são sobrequalificados para o trabalho, estamos também num período com índices de desemprego muito baixos… para contratar vamos a empresas privadas e sim, são quase todos imigrantes. Mas sim, temos de ver esta possibilidade de contratar pessoas na câmara internamente.
Defendeu recentemente a nacionalização da Amarsul. De que forma é que isso poderia ter impacto?
Tenho vindo a defender uma coisa diferente, que é uma entidade metropolitana de gestão de resíduos, um bocado à semelhança da Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML). É uma nacionalização, mas onde os municípios também têm uma palavra a dizer. Parece-me evidente que temos que ter uma política de resíduos metropolitana, seria melhor a todos os níveis, nem que seja porque a Amarsul está sempre em défice. O circuito dos biorresíduos é muito mais caro para os municípios porque a Amarsul não fez os investimentos necessários para termos um sistema de saco de biorresíduos com triagem automática, como acontece em Sintra, por exemplo. Acabamos nós próprios por ter de fazer investimentos muito mais caros, que implicam outros circuitos específicos para os resíduos, aquisição de mais caixotes de lixo…
Podia criar mais eficiência?
Sem dúvida. Lá está, é como os transportes públicos. Quando cheguei, todos os transportes públicos em Almada, tirando a Transtejo Soflusa, eram privados. Havia zonas inteiras do município sem um único autocarro, e nós corrigimos isso. Ainda precisamos de melhorar o serviço, com certeza, mas o benefício da TML parece-me evidente. O passe Navegante nem é preciso falar dos benefícios que trouxe.
No caso da Transtejo, está em curso uma renovação da frota, mas os novos barcos elétricos não estão a servir Cacilhas nem a Trafaria…
E não estão a servir nos outros sítios, porque também têm estado avariados. Tinham-nos avisado que Almada seria um dos últimos municípios a receber os elétricos, não me pergunte porquê. Talvez por ser o trajeto mais curto.
O que é que Almada pode fazer? Sabemos que há problemas com a instalação dos postos de carregamento no terminal de Cacilhas…
Há problemas de instalação do carregamento, sim. Já dissemos que estamos disponíveis para voltar a atribuir à Transtejo as instalações onde agora está o Clube Náutico, onde já seria possível fazer esse carregamento. Mas a Transtejo ou o Estado tem de encontrar uma alternativa para o Clube Náutico. Quer dizer, nós até já arranjámos alternativa: no último edifício da Margueira, que é do Estado, que está ao abandono e que queremos recuperar… não temos mais territórios ao pé do rio. O único espaço da frente ribeirinha que a Câmara de Almada tem é aquele que reabilitámos em Cacilhas. Tudo o resto, ou é do Estado ou é privado.
Portanto, sem a relocalização do Clube Náutico, não será possível ter barcos elétricos em Cacilhas?
A questão não é essa. Nós até podemos tentar conciliar uma coisa com a outra, não queremos obstaculizar nada. Ainda antes de haver navios elétricos, uma das primeiras propostas que fizemos quando chegámos foi que a Transtejo se pudesse mudar para ali e acabar com o outro cais, que está num estado miserável. Agora, o Clube Náutico é uma entidade fundamental, alberga muitas crianças, muitos empregos, muitas famílias. E também não faz sentido que o local onde está o clube esteja sob nossa gestão mas ainda não seja nosso. Está dependente do plano de Cacilhas, da permuta. Estamos no final desse processo mas a propriedade ainda é de um privado também. Queremos resolver o problema, mas também queremos navios que funcionem. Além disso, também gostaríamos que a extensão do metro até à Costa da Caparica e Trafaria correspondesse a uma estratégia intermodal, um plano coerente. Por isso, queremos que o barco que sai da Trafaria não vá para Belém, mas para Algés.
De qualquer forma, só há um barco para essa travessia e avaria com frequência…
Tem que haver mais, com certeza. Daí também querermos que o barco vá para Algés, porque dizem-nos que só há um barco porque não há procura. Claro, porque aquele trajeto não corresponde às necessidades das pessoas. Aquela travessia para Belém só serve para meia dúzia de carros e umas pessoas que vêm almoçar a Porto Brandão e à Trafaria. Temos todo o gosto em recebê-las mas, objetivamente, não serve os trabalhadores de Almada, todos aqueles que têm de ir e vir de Lisboa.
Já há um turismo enorme na Costa, preferimos é que venha de metro e não de carro. A Costa não aguenta com mais carros, chegamos a ter um milhão de pessoas por semana durante o verão, é impossível.
Referiu a extensão do metro até à Costa e à Trafaria. O percurso tem gerado contestação da população da Costa da Caparica. Mantém a defesa daquele trajeto ou é sensível às preocupações?
Sou sempre sensível às preocupações da população, desde que tenham algum fundamento.
Considera que não têm?
Só sei o que li numa publicação, em que a preocupação era que pudessem vir para São João pessoas da Amadora e do Cacém. Esse tipo de preocupações, desculpem, mas não entram na equação.
Há outras preocupações. Questões de ordem ambiental, da descaracterização do espaço público…
Respeito todas as preocupações. Havia a ideia de que iríamos cortar uma via de cada lado, que ia haver acumulação de carros; não é essa a proposta da câmara, vamos manter as duas vias. O traçado que defendemos é o metro a passar do lado do mar, ao longo da Av. Afonso de Albuquerque. Vai comer um bocadinho dos parques de campismo e provavelmente também do Parque Urbano, é verdade, mas permite-nos fazer uma verdadeira ciclovia a direito e não interfere com a mobilidade das rotundas, nem vai sobrecarregar as vias da Afonso de Albuquerque. Essa foi a proposta que levámos à câmara e que foi aprovada. E levámos à câmara para que fosse claro que continua a haver as quatro faixas, continua a haver o eixo central. Outra preocupação que achamos válida é a vala, que foi fechada e claro que é uma situação que tem de ser tida em conta — até porque, se o metro passasse por cima, era preciso fazer um reforço tão grande da vala que tornaria a obra muito mais cara. Nunca defendemos o metro a passar à frente das casas nem no meio. Sempre defendemos o metro a passar do lado do mar. Importa lembrar que, antes mesmo de dizer o que é que queríamos ou não queríamos, organizámos uma consulta pública com a Faculdade de Ciências e Tecnologia, para não haver qualquer suspeita. As questões ambientais com a Arriba… vou ser sincera, ainda não consegui perceber quais são. Há uma questão, que é o final do IC20 na entrada para a Costa, mas isso é outra coisa. Portanto, preocupam-me sempre as posições dos munícipes, desde que sejam aceitáveis, que não sejam efabulações. A Costa não é, nem nunca será, um condomínio fechado.
A câmara tem estado em contacto com os grupos de moradores que se têm constituído para contestar o projeto?
Ainda há dias reunimos com eles. Aliás, foi na sequência dessa reunião que fizeram uma publicação com os propósitos de que falava há pouco, e a dizer que de repente vai haver um turismo desenfreado na Costa… Já há um turismo enorme na Costa, preferimos é que venha de metro e não de carro. A Costa não aguenta com mais carros, chegamos a ter um milhão de pessoas por semana durante o verão, é impossível. Por isso é que o projeto do metro prevê um interface na chegada do IC20, e também retomar o Transpraia ou algo equivalente, sempre dissemos que tem de haver um transporte que leve as pessoas até às praias.
Sobre o Transpraia, o novo proprietário tem vontade de o reativar, mas diz que precisa do apoio da autarquia. Estão disponíveis para desenvolver um projeto conjunto?
Depende das condições que ele quiser. O proprietário do Transpraia nunca nos apresentou um plano concreto. Eu própria cruzo-me com ele, falamos e digo sempre, “querem conversar connosco, muito bem: como qualquer outro proprietário, proponha primeiro e depois logo se vê”. Há coisas que têm de ser pensadas. Por exemplo, o antigo Transpraia custava 6 euros…
Há quatro anos foi prometido um corredor verde ao longo do IC20, no sentido de ter uma ciclovia a ligar Almada e a Costa. Mas o que vimos foi uma nova faixa para automóveis no IC20…
Pois, não foi propriamente do meu agrado. O corredor verde está previsto no PDM mas, infelizmente, há grandes entidades que acham que sabem gerir melhor o território do que nós. A nova faixa do IC20 foi uma imposição que nos colocaram por causa de um contrato entre as Infraestruturas de Portugal e a [concessionária] Baixo Tejo. Na altura dissemos que, se tinha de ser, pelo menos queríamos que uma faixa BUS fosse criada. Não só para autocarros, mas também enquanto faixa com mais de dois passageiros por carro, que é outra medida para diminuir o uso de carro individual.
E mantém-se o projeto para o corredor verde?
O corredor verde está a ser desenhado, sendo que aí também ouvimos as populações. Houve muita pressão para que pudesse haver uma via ciclável ao longo do metro. Não considero que seja necessário a ciclovia andar sempre ao longo do metro, mas estamos a redesenhar a nossa hipótese de corredor verde, com zonas junto ao metro e zonas onde depois se afasta, aproveitando por exemplo a nova travessia do IC20, que vai ser criada junto ao Funchalinho para dar acesso ao metro, que vai ser pedonal e ciclável. No fundo, conciliar aquilo que era o projeto que tínhamos com as exigências da população. Não vai ser só uma via ciclável, é mesmo um corredor verde, para ver se humanizamos o IC20. Agora com tantas faixas é mais difícil, mas queremos fazê-lo.
O anterior [plano de pormenor do Ginjal] parecia-me visivelmente uma sobrecarga tão grande que nunca mais íamos sair dali.
O projeto para o Ginjal continua parado em tribunal, com o Ministério Público e a APA a considerarem que aquela zona é sensível e tem risco de inundações. Acompanha as preocupações ambientais, do ponto de vista de construção naquela zona que é sensível?
O processo não tem a ver com isso, tem a ver com o Domínio Público Hídrico. Mas não, não acompanho, até porque o projeto para o Ginjal prevê a consolidação da arriba. Acho a posição da APA um bocadinho incompreensível: se há um projeto em que um privado se propõe fazer a consolidação da arriba, que é um investimento de milhões, que a APA nunca irá fazer… porque é que se está a discutir meia dúzia de metros de Domínio Público Hídrico, que será sempre terreno público de qualquer maneira? Além disso, a APA também levantou questões — diferentes das que levou a tribunal — sobre a densidade populacional. Como sabem, quando eu cheguei, este plano já estava em consulta pública, estava na fase final. E o privado está disponível, tendo em conta o que aconteceu, para aumentar o espaço público, aumentar aquela frente ribeirinha, criar ali um jardim e concentrar mais a construção prevista.
Diminuir a construção ou manter?
Isso são direitos adquiridos, a construção tem de ser mantida.
Concentrar seria construir em altura?
Não necessariamente.
Então estão a alterar o Plano de Pormenor do Cais do Ginjal?
Ainda não abrimos oficialmente a alteração do plano porque queremos conversar com a APA. Neste momento, o arquiteto Valsassina está com o projeto e queremos falar com a APA para ver se saímos desta encruzilhada em que nos encontramos.
Poderá mesmo ser feito um novo Plano de Pormenor?
Ou é novo ou tem que ser alterado. Ainda vamos ver se é apenas um plano alterado ou se é um novo. O anterior parecia-me visivelmente uma sobrecarga tão grande que nunca mais íamos sair de lá. Mas, da nossa parte, respeitámos o que tinha sido feito em colaboração com a câmara anterior. Neste momento, acho que temos ocasião de atualizar o plano. O proprietário privado está disponível para isso.
vivo bem sem uma maioria absoluta.
Olhando para as próximas eleições, há novas forças políticas que podem entrar na aritmética do executivo municipal. Provavelmente será preciso um entendimento para garantir a estabilidade da governação. O PSD já descartou a hipótese de um novo entendimento; por outro lado, sabemos que a convivência com a oposição à esquerda nem sempre foi pacífica. O PS está disponível para acordos pós-eleitorais com os partidos da esquerda?
Vai ter de perguntar à oposição. Nós nunca tivemos maioria absoluta. Isso, naturalmente, tem vantagens e desvantagens. É verdade que, quando se tem, há coisas que conseguem avançar mais rapidamente, mas devo dizer que vivo bem sem uma maioria absoluta. Admito que este último ano com o chumbo do orçamento, que foi uma inutilidade e foi só mesmo para aproveitamento político, deixou-me algo desgostosa, porque todas as forças políticas têm um compromisso com os almadenses.
considero a lei autárquica atual uma aberração. Ainda não sei para que é que serve um vereador da oposição.
Esse compromisso poderia incluir a CDU?
Logo em 2017, a força com quem mais negociei um possível acordo foi a CDU. Tivemos várias reuniões ao longo de vários dias; deram-nos uma resposta no dia da tomada de posse que era absolutamente inaceitável e contrária a tudo o que eram as nossas conversações. O que significa que andámos a negociar em má-fé. Posso dizer que fiquei mesmo escandalizada com o que aconteceu. Em 2017, propus pelouros a todos os partidos, sem exceção, até porque considero a lei autárquica atual uma aberração. Ainda não sei para que é que serve um vereador da oposição. Acho que devia haver um grande reforço do poder da Assembleia Municipal, deve ser um verdadeiro órgão de fiscalização como a Assembleia da República e as de Freguesia. Os vereadores sem pelouro são um pouco como os ministros sem pasta: foram importantes em determinada altura, mas hoje em dia não têm qualquer utilidade. É até prejudicial, se considerarmos que a dimensão de Almada exige onze vereadores, não percebo porque é que só cinco é que trabalham. Não pode ser, precisamos de todos. Disse várias vezes, inclusive em reuniões de câmara, que o pelouro da habitação estava disponível para o Bloco de Esquerda, sendo a grande causa que defendiam. No primeiro mandato disseram, e até percebo, que como nos faltavam dois vereadores, eles tendo apenas um, não era suficiente para ter maioria; em 2021 já só precisávamos de um vereador, voltei a propor e voltaram a recusar. Portanto não sei… é óbvio que vejo com muita preocupação a possibilidade de termos agora uma nova força na vereação, não escondo isso.
Também ofereceria um pelouro ao Chega?
Não. Só negoceio com forças democráticas. Isso para mim é claríssimo, jamais. Aliás, todos os autarcas do Partido Socialista assinaram um compromisso que estipulava isso mesmo. Agora, com as forças democráticas, sim. Depois das eleições, somos representantes dos nossos partidos e dos nossos valores, mas eu não sou presidente de quem votou em mim, sou presidente de todos os almadenses. Se há um buraco na estrada, tanto faz saber quem é o vereador que o vai tapar, é preciso é que seja tapado. Agora quem quer mudar a Constituição, quem quer deitar abaixo o sistema e quem acha que a última eleição foi uma vingança contra 50 anos de democracia, não tem, naturalmente, nenhum tipo de espaço. De resto, estou sempre disponível para entendimentos à esquerda, mas é preciso que a esquerda, sobretudo a CDU, saia um bocadinho da sua frustração e do seu mau perder.
Acredita que a renovação de rostos dos partidos este ano pode conduzir a uma maior abertura, a um maior diálogo?
Espero que sim. O diálogo sempre foi possível, mas basta ir ver as votações em Assembleia para perceber as dificuldades. Há posições da CDU que até hoje não consigo perceber, coisas como votar contra a Loja do Cidadão… mas pronto, com essa tal mudança de rostos, com certeza, espero que sim.
E poderá haver a possibilidade de um acordo formal, por escrito? Ou preferem, como aconteceu agora nestes últimos anos com o PSD, um entendimento informal?
Não sou líder do partido em Almada, essa questão deve ser feita ao nível das direções. Se os partidos assim entenderem, faz-se o acordo escrito, não tenho nada contra. Mas a gestão autárquica é muito mais pragmática do que outra coisa. Acredito mais numa equipa de trabalho do que em acordos escritos, porque podemos escrever imensa coisa, é preciso é conseguir fazer. Mas tudo bem, é o que cada força quiser. Em partidos democráticos há sempre pontos em comum. É evidente que cada partido tem os seus compromissos, é pegar nos programas e dizer “vamos dar prioridade a isto”.
Com André Filipe Antunes
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