Filmado nas Terras da Costa, na Caparica, o documentário de Rui Almeida Paiva dá protagonismo a um bairro que parece invisível aos olhos dos milhares que no Verão rumam às praias mais concorridas do país.
Passou três anos a visitar as Terras da Costa antes de decidir a começar a filmar. Quando já conhecia bem os residentes daquele bairro de Almada, a câmara surgiu de forma natural. “Os moradores nem se apercebiam de que estavam a ser filmados”, recorda Rui Almeida Paiva, realizador do documentário “A Ilha Invisível”, filme que integrou a seleção oficial do festival DocLisboa em 2018, e foi exibido em ante-estreia em dezembro passado na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa.
A dois passos do extenso areal da Costa da Caparica, o bairro das Terras de Lelo e Martins –mais conhecido como Terras da Costa– passa despercebido aos milhares que no Verão rumam às praias mais concorridas do país.
Instalado junto à arriba fóssil da Caparica, o bairro está rodeado de campos agrícolas, o que contribui para a sensação de isolamento. Parece uma ilha, invisível aos olhos de por quem ali passa. “Invisível no sentido de estarmos a vida toda a passar por um lugar que está ali e não o vermos”, conta Rui Paiva ao ALMADENSE. A metáfora, claro, está em que “não vemos porque não queremos”, explica o realizador, que viveu em Almada até aos 30 anos, e cedo estabeleceu uma relação especial com as praias da Costa da Caparica.

Antes de decidir enveredar no projeto documental, nas poucas conversas em que abordava o tema das Terras da Costa, ouvia que “era um sítio estranho, perigoso”, recorda. Mas “a realidade é muito diferente” diz o realizador, para quem a gravação do filme se tornou no pretexto ideal para conhecer por dentro o lugar que lhe despertava curiosidade. Assim que começou a “expedição”, não ficou desiludido: os moradores acolheram-no de “braços abertos” e depressa ficou impressionado com a “humildade” e a “dignidade” das pessoas que ali vivem.
Um pedaço de Cabo Verde aqui tão perto
Com telhados de chapa de zinco, as frágeis habitações que se vêm nas imagens a preto e branco de “A Ilha Invisível” começaram a ser construídas nos anos 70 pelos próprios moradores, na sua maioria procedentes das antigas colónias. Atravessado por caminhos de terra batida, o bairro não parece pertencer a uma zona urbana. Hoje habitado por cerca de 400 pessoas, é um dos bairros mais degradados do país e há muito que consta na listas para realojamento da Câmara Municipal de Almada.
Embora a maior parte dos moradores das Terras da Costa trabalhe na capital, quando regressam a casa mergulham num ritmo de vida diferente, cultivando a horta comunitária e a vida em comunidade. Muitos deles com raízes em Cabo Verde, mantêm-se muito ligados à cultura do país de origem e conservam uma relação especial com a natureza. É como se ali “o tempo durasse muito mais” sublinha Rui Paiva. Apesar das difíceis condições de vida dos moradores, o realizador não resistiu ao “encanto” daquela “ilha” cabo-verdiana que, curiosamente, vista de cima tem a forma do continente africano.
Através de personagens reais como Dadá, com seu estúdio musical, ou do poeta Guilherme Brito, o documentário dá protagonismo a uma comunidade que não está habituada a ter o papel principal, demonstrando como a criatividade pode florescer no sítio mais improvável. Depois de exibido na Costa da Caparica e em Cabo Verde, Rui Paiva espera que “A Ilha Invisível” possa chegar a mais público, tornando-se ele próprio um instrumento de “combate ao preconceito”.