Na sua próxima exposição “A Voz do Olhar”, no Solar dos Zagallos, Rosarlette Meirelles explora o sentido do olhar, que se tornou uma força maior em tempos de covid. Mas o trabalho da artista, que dá protagonismo aos moradores de Almada menos visíveis, pode ser descoberto em vários pontos do concelho.
Quem passeia habitualmente pelas ruas da Romeira certamente já se deparou com uma sequência de pinturas que chama a atenção: imagens de pessoas invisíveis à sociedade, que vivem por trás dos muros abandonados da cidade e que agora são vistas nos muros de janelas cimentadas, como uma transparência destas paredes degradadas.
A autoria destas pinturas é a brasileira Rosarlette Meirelles. Licenciada em Artes, fez de Portugal a sua casa há quatro anos e hoje vive em Almada. Agora a artista prepara-se para apresentar uma série de trabalhos no Solar dos Zagallos (na Sobreda), que têm o objetivo de provocar reflexão, partindo das impressões e expressões do “olhar” enquanto sentido com relevo acentuado em tempos de pandemia. “A Voz do Olhar” poderá ser visitada na Sala das Colunas entre os dias 17 de julho e 12 de setembro.
Mas grande parte do trabalho da artista pode ser descoberto em paredes do concelho de Almada como a Romeira ou o Cais do Ginjal. Para a artista, a arte urbana é uma forma de exposição pública, com pinturas performáticas onde o foco reside na mensagem que passam.
A condição “ilegal” na qual pintava combinou com o local escolhido: uma área degradada do concelho de Almada, que acabou por contribuir para a escolha dos retratados, os próprio moradores de rua da zona, que vivem de maneira camuflada nos escombros da cidade.
“Eu gosto de trabalhar com as imagens dos mais fragilizados, não porque exista alguma beleza nesta fragilidade, mas porque é uma forma de eu regurgitar um pouco a minha impotência diante destas coisas tristes que acontecem com o pessoal mais desfavorecido”, conta ao ALMADENSE.

Não só a temática foge do convencional, mas também a forma de pintar de Rosarlette, que usa um método orgânico onde o suporte no qual escolhe trabalhar influencia a cor e a textura da sua arte final. Nesse aspeto, os seus trabalhos diferem do graffiti, explica a artista: “O graffiti trabalha muito com a cor e por vezes acaba por ter uma conotação mais ilustrativa, toca mais na estética e não tanto no lado emocional, que é onde eu quero chegar. Outra diferença é que não utilizo sprays. Eu pinto na parede como se estivesse pintando um quadro, com o pincel mesmo”.
Ao usar apenas o preto e o branco, a artista apropria-se do próprio muro onde pinta como pano de fundo, como é o caso da Romeira. “Lá, esta cor parda, ocre dos muros, funciona muito bem com o preto e o branco e com a temática do meu trabalho”, diz a artista. “A ideia é justamente trabalhar em suportes que não estão lisinhos, arrumadinhos. O arrumadinho já me cai mal. Essa coisa de me apropriar do que já está naturalmente ali é a graça da coisa.”
Para Rosarlette, a arte de rua funciona sobretudo um hobby e uma terapia. Em Portugal, começou as intervenções a convite da LX Factory, em Lisboa, onde assina um grande mural no estacionamento. Mas é possível encontrar a artista também na Associação Gerações Sorriso, em Almada, onde leciona oficinas de pintura para seniores, e na Scala – Sociedade Cultural de Artes e Letras de Almada, onde ministra aulas de desenho e pintura para todas as idades. Além disso, Rosarlette elabora cenários e murais para teatro e eventos comemorativos, para além de desenvolver exposições e curadorias.