Graças a um sistema de redundância energética instalado há sete anos, o Hospital de Almada conseguiu manter todos os serviços totalmente operacionais ao longo do “apagão” energético.
O Hospital Garcia de Orta, em Almada, continuou a funcionar normalmente durante toda a segunda-feira, dia 28 de abril, apesar da falha de energia que atingiu Portugal continental, Espanha e partes de França. Os geradores foram ativados, tal como noutros hospitais do país, mas nem todos têm uma central de cogeração para reforçar este sistema. O diretor do Serviço de Instalações e Equipamentos da Unidade Local de Saúde (ULS) de Almada-Seixal explicou ao ALMADENSE como é que o hospital poderia manter a atividade normal por 72 horas ou mais.
Não é preciso um “apagão” de várias horas como o desta segunda-feira para que os geradores a combustível do Hospital Garcia de Orta (HGO) sejam ativados. Na verdade, bastam 10 segundos sem eletricidade para o sistema arrancar e todo o hospital ser abastecido desta forma. E por “todo o hospital” entende-se os equipamentos de diagnóstico como os de ressonância magnética, as salas críticas como as de cirurgia, a tomada mais escondida nas consultas externas ou uma máquina de café.
Ter um sistema de redundância (para substituição de energia em caso de falha) que sirva todo o hospital é a grande diferença em relação à generalidade das unidades de saúde do país: o Hospital de Santa Maria (Lisboa), o Hospital Santos Silva (Vila Nova de Gaia), o Hospital Amato Lusitano (Castelo Branco) ou o Hospital José Joaquim Fernandes (Beja), para citar alguns exemplos, suspenderam toda a atividade programada, ou seja, consultas, exames e cirurgias. No Hospital de São João, no Porto, foram ativados os “geradores de emergência para alimentar áreas prioritárias, como o bloco operatório para intervenções cirúrgicas urgentes e a Unidade de Cuidados Intensivos”, conforme descreveu fonte oficial à Lusa.
Na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, os geradores só tinham combustível para quatro ou cinco horas quando se deu o apagão e antes de serem reabastecidos, noticiou o jornal Público. Já no HGO, os geradores conseguiriam assegurar o funcionamento completo do hospital durante 18 horas em pico de atividade, garantiu David Gervásio, diretor do Serviço de Instalações e Equipamentos da ULS Almada-Seixal ao ALMADENSE.
Mas a equipa não deixou chegar a esse ponto. Assim que perceberam que a falha de energia poderia demorar mais do que um par de horas, começaram a poupar recursos: desligaram o ar condicionado nos espaços comuns e as luzes nos corredores de passagem. O bom tempo e a luz do dia também ajudaram. O que não faltou foi comida quente para os doentes e funcionários, destacou David Gervásio.
Além dos geradores, o HGO tem ainda uma central de cogeração, gerida por uma empresa privada. Esta central está sempre a funcionar: consome gás natural e transforma-o noutras fontes de energia, como água quente e água gelada para a climatização do hospital, vapor que alimenta cozinha e algumas máquinas, e eletricidade que, numa situação normal, é vendida à rede pública. A vantagem é que uma vez que se verifica uma falha na rede pública, a eletricidade produzida na central é direcionada para alimentar o hospital.
E foi assim que aconteceu: desligaram-se os geradores e passou a usar-se a eletricidade produzida pela central de cogeração. Enquanto não houver corte no abastecimento de gás, nem qualquer outro tipo de incidente, a central consegue alimentar todos os serviços do hospital por tempo indeterminado. Ainda assim, e por precaução, os geradores foram reabastecidos com dois mil litros de gasóleo.

O abastecimento garantido pela central de cogeração permitiu ao HGO manter os equipamentos de diagnóstico operacionais, como TAC e outros, tanto para as necessidades internas do hospital, como para servir os doentes de outros hospitais que não tinham energia para alimentar esses equipamentos. Além disso, o HGO recebeu numa das salas das Urgências preparada para o efeito, mais de 20 doentes que fazem ventilação no domicílio, mas que ficaram com esta assistência comprometida devido ao corte de energia. “E estávamos preparados para continuar assim durante os próximos dias”, reforçou David Gervásio.
“Ontem [segunda-feira] não houve nenhuma urgência do país que estivesse encerrada”, disse a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, elogiando a resposta dada pelo Serviço Nacional de Saúde numa situação de crise. Em declarações aos jornalistas, depois de uma visita ao Garcia de Orta na terça-feira, a ministra acrescentou ainda que terá de ser feito um trabalho com os hospitais para “garantir o reforço da autonomia” em situações de falha de energia.
Quando o HGO abriu portas em 1991 os requisitos em termos de energia eram, naturalmente, muito menores. Além de servir uma população muito mais pequena, todos os registos eram feitos em papel. Com a digitalização de toda a informação, do processo clínico aos resultados de todas as análises e exames efetuados, e com mais equipamentos de elevado consumo, o hospital decidiu reforçar a sua capacidade de resposta para situações com uma falha de energia generalizada. Assim, substituiu os geradores anteriores, menos potentes, para aumentar o nível de segurança energética.
“O hospital cresceu e comprou equipamentos para a necessidade assistencial que existia, por isso não fazia sentido que, numa situação de emergência, não conseguíssemos continuar a prestar esse nível de serviços”, explicou o diretor do Serviço de Instalações e Equipamentos. “A nossa visão é: falte ou não falte a luz, queremos continuar a servir.”
David Gervásio justificou a existência de uma central a gás com a necessidade de transição energética para meios menos poluentes do que a queima de carvão. “A cogeração já existe há mais de 20 anos no Hospital Garcia de Orta.” É certo que as energias renováveis são muito menos poluentes, “mas não são uma fonte fiável em termos de segurança energética”, comparou. Ainda assim, o hospital tem 2.700 painéis solares e 500-600 painéis para aquecimento de água instalados, mas sempre em complemento com a rede elétrica, nunca em substituição.
Prateleiras vazias, esplanadas cheias e churrascos ao ar livre: como se viveu em Almada o “apagão”