Inês Sarti Pascoal, especialista em urbanismo sustentável e ordenamento do território
Volvidos 50 anos de Liberdade, houve importantes avanços na mobilidade sustentável no nosso concelho, com o comboio da Ponte 25 de Abril, o metro de superfície e o navegante metropolitano. Ainda assim, a utilização do automóvel nas deslocações quotidianas das pessoas que residem em Almada tem vindo a aumentar. É necessária uma política de mobilidade com uma visão de sustentabilidade, coerente nas suas medidas e participada pela população, de modo a que as pessoas tenham real liberdade na escolha do seu meio de transporte.
Que marcos de mobilidade sustentável são assinaláveis nas últimas décadas? Deixo aqui três com impactos muito importantes no território de Almada.
Em primeiro lugar, a travessia ferroviária na Ponte 25 de Abril, que faz a ligação em comboio de Lisboa com Setúbal. Tendo sido inaugurada em 1999, em 20 anos de serviço, a Fertagus já tinha transportado 390 milhões de passageiros, retirando 62 milhões de automóveis da Ponte e evitado a emissão de 780 mil toneladas de dióxido de carbono, indicador fundamental face à urgência climática que vivemos.
O segundo lugar vai para o metro ligeiro de superfície, explorado pela Metro Transportes do Sul (MTS), desde 2007, que em 15 anos, transportou 174 milhões de passageiros, permitindo ligar algumas freguesias do concelho de Almada e até Corroios, no concelho vizinho.
Em terceiro, o navegante metropolitano, através da Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML), que desde 2019 permite que toda a população aceda a um passe de transportes públicos, para viajar por todos os 18 municípios da Área Metropolitana de Lisboa, por apenas 40 euros por pessoa ou 80 euros para famílias. É uma medida ambiental e socialmente justa que, em cinco anos de funcionamento, já abarca 800 mil passes carregados por mês.
Este incentivo aos transportes sustentáveis tem sido suficiente? Vendo o copo meio cheio, parece que estamos a caminhar no sentido da sustentabilidade, fornecendo transportes públicos à população, e com grandes números de utilização dos serviços. Mas podemos observar o mesmo copo meio vazio, quando analisamos as estatísticas globais.
O que nos revelam os Censos de 2021 é que nas últimas décadas, a população de Almada que se desloca de carro tem vindo sempre a aumentar, de autocarro tem vindo a diminuir consideravelmente, de comboio e metro com um ligeiro aumento. Há menos pessoas a andar a pé, e as bicicletas/motas detém um valor irrisório, face aos restantes meios de transporte.
Que mobilidades se têm promovido nos últimos 50 anos?
A aposta de Portugal tem sido na rodovia e na exclusão da ferrovia. Também o investimento municipal tem sido feito no âmbito da mobilidade automóvel, com foco no alcatroamento de vias, criação de rotundas, apoio ao alargamento de rodovias, e condescendência com o estacionamento ilegal em cima do passeio.
Claro que existe noção de que Almada é um território disperso, com pouca densidade de residentes em vários locais, o que pode dificultar a implementação de serviços de transportes sustentáveis. Mas o que é um facto, é que neste mesmo concelho abundam as estradas para automóveis que, aliás, fragmentam ainda mais o território e aumentam essa dispersão urbana, reduzindo a acessibilidade por outros meios de transporte de forma segura, como andar a pé ou de bicicleta. Assim se justifica que metade da população de Almada (50,2%) utilize o automóvel nas suas deslocações quotidianas, pois é o convite que é feito pelas políticas de mobilidade e infraestruturas que existem.
Para mim, liberdade é poder deslocar-me de forma sustentável, seja a pé, de bicicleta ou transportes públicos, escolhendo o que melhor se adequa a cada viagem. Mas tal nem sempre é viável, para o percurso que tenho para fazer.
Mas será que as pessoas querem mesmo andar de carro?
As infraestruturas urbanas que temos influenciam a nossa vivência da cidade e os meios de transporte que escolhemos para nos deslocarmos. Para mim, liberdade é poder deslocar-me de forma sustentável, seja a pé, de bicicleta ou transportes públicos, escolhendo o que melhor se adequa a cada viagem. Mas tal nem sempre é viável, para o percurso que tenho para fazer. Parece que não sou a única: um estudo divulgado esta semana, o Barómetro da Bicicleta, aponta para que muitas pessoas estariam disponíveis para andar de bicicleta, havendo condições de segurança.
A Lei de Bases do Clima indica que as autarquias locais devem ter Planos de Mobilidade Urbana Sustentável, e refere que as pessoas têm o direito de participar nos processos de elaboração e revisão dos instrumentos da política climática. Onde está o plano de mobilidade de Almada? Como pode a população participar na elaboração destas políticas locais?
Em 50 anos de 25 de Abril, temos a liberdade para nos deslocarmos como desejamos, ou estamos dependentes de um sistema de mobilidade que nos tem sido imposto?