Martim de Freitas, estudante e membro do Grupo de Coordenação Local do LIVRE Almada
Uma cidade livre deve olhar para FCT e potenciá-la como pólo científico para ser a peça-chave que permita aos almadenses trabalharem na cidade onde dormem.
A resposta é simples: mais ou menos. Do lado do mais temos a existência de edifícios que, no seu conjunto, formam a Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT). Do lado do menos temos a desconexão crónica desta instituição a Almada.
A paisagem deserta que circunda a FCT é reveladora do seu subaproveitamento. A inexistência de um verdadeiro pólo científico que valorize o nosso território é uma oportunidade perdida não só de construir uma economia verde e de alto valor acrescentado, mas também de criar oportunidades de emprego. Este último ponto é essencial já que, segundo os Censos de 2021, um em cada quatro almadenses saem da nossa “cidade-dormitório” para trabalhar, uma situação de injustiça social que aumenta a jornada de trabalho em várias horas, tirando tempo livre que podia ser mais bem aproveitado na participação no associativismo local, na oferta cultural da cidade ou num simples descanso.
O leitor deve estar a pensar: “Mas e o Almada Innovation District?”. Anunciado em 2021 pelo atual executivo camarário, este projeto prometia uma forte atração de investimento privado para concretizar este objetivo. Chegados a 2025, estão executados 10 campos de padel e um website atualizado pela última vez em março de 2023 (almada.id), bem como várias obras da exclusiva responsabilidade da FCT. Ao mesmo tempo, o atual executivo camarário desceu a taxa de derrama para 1.2%, a mais baixa da Área Metropolitana de Lisboa. A estratégia de jigajogas fiscais combinadas com uma fé na atração de empresas não só tem falhado, como vai contra a “regra de ouro” do desenvolvimento de uma economia do conhecimento: o investimento em Inovação e Desenvolvimento é historicamente suportado pelo setor público.
A alternativa passa por uma pressão séria do poder local face ao central para que Almada possa finalmente ter retorno da existência da FCT no nosso território. Com a criação da divisão regional da Península de Setúbal (região com o menor PIB per capita a nível nacional), o acesso direto a fundos europeus será facilitado, originando uma última oportunidade de investimento público para a economia da cidade se reinventar e estabelecer uma verdadeira relação mutualista com a faculdade. Simultaneamente, o poder local deve dar apoio à atividade económica neste contexto, com ferramentas como: um gabinete de apoio a candidaturas a programas europeus de financiamento, um banco de fomento local de garantia pública com participação direta dos munícipes no investimento e articulação intermunicipal, de forma a mudar o chip atual de competição para cooperação entre os concelhos da Margem Sul.
No entanto, uma economia verdadeiramente livre não se pode apoiar estritamente na vertente estatal (nem na privada). Há uma terceira forma de organização económica que cada vez menos entra no debate público, mas que tem um passado histórico em Almada: o cooperativismo. A ciência, sendo o exemplo histórico mais bem-sucedido de trabalho colaborativo, é um terreno fértil para recuperar esta forma de atividade económica socialmente justa e “surfar“ a onda de renascimento das cooperativas. A FCT é, deste modo, um território único para implementar um projeto de cooperativas de investigação e de aplicação do conhecimento produzido, que junte estudantes que queiram começar a sua vida profissional na cidade, professores e investigadores que tenham uma ideia de projeto que não consigam desenvolver no seu laboratório e, claro, aqueles 25% de almadenses que saem todos os dias da cidade para trabalhar.
Ao mesmo tempo, o papel social inerente às cooperativas pode ser a resposta para aproximar as populações das redondezas à FCT, ao promover projetos de divulgação científica e resolução de problemas locais que juntem o conhecimento criado neste pólo com a realidade local vivida pela comunidade. Um outro ponto ainda mais escondido dos almadenses que pode ajudar a aproximar a população é a riqueza do associativismo estudantil da FCT. A existência de núcleos académicos com as mais diversas temáticas, como a sustentabilidade, cultura ou os próprios cursos, não só é decisiva na escolha desta faculdade pelos estudantes, mas também é um cosmos de pequenas comunidades com uma grande vontade de desenvolver projetos fora do campus.
A verdade é que não existe nenhum protocolo entre a câmara e a FCT que facilite o contacto entre a comunidade estudantil e os almadenses, dificultando esta interação, que seria muito importante para a criação de pontes entre a cidade e a faculdade, enquanto atraía os estudantes deslocados a fixarem-se no território. Uma cidade livre deve olhar para FCT e potenciá-la como pólo científico para ser a peça-chave que permita aos almadenses trabalharem na cidade onde dormem. Tal só será possível se o poder público tiver a ousadia de investir neste património único, assim como de criar condições para que o cooperativismo seja uma solução no desenvolvimento desta economia local socialmente justa, para que todos os almadenses tenham a certeza: sim, a FCT fica mesmo em Almada.