Quinzena de Dança: “Uma oportunidade valiosa para os artistas partilharem a sua visão”
A Quinzena de Dança está de regresso a Almada. Uma vez mais, a edição deste ano inclui residências artísticas com profissionais de renome de diversas partes do mundo. Em entrevista ao ALMADENSE, Catarina Casqueiro e Tiago Coelho, dupla portuguesa que se destacou na Plataforma Coreográfica Internacional, refletem sobre o percurso profissional no mundo das artes e sobre o início de carreira, impulsionada pela Quinzena de Dança de Almada, que decorre até dia 6 de outubro.
É a quarta vez que se apresentam no festival, este ano com o espetáculo “Forget Me Not”, que pode ser visto nos dias 21 de setembro e 6 de outubro, no Teatro-Estúdio António Assunção e no Auditório Osvaldo Azinheira, respetivamente. A dupla irá também lecionar um workshop, no dia 21, nos Estúdios da Companhia de Dança de Almada.
A Quinzena de Dança de Almada foi importante para o início do vosso percurso, proporcionando a oportunidade de apresentar o vosso trabalho ao público português e internacional. Como é que este festival impactou a vossa trajetória artística ao longo dos anos, e de que forma sentem que influencia o diálogo entre artistas e o público?
Tiago Coelho (T): A Quinzena de Dança de Almada ocupa um lugar muito especial no nosso percurso, pois foi um dos primeiros festivais a acolher-nos e acreditar no nosso trabalho, em Portugal. Trata-se de uma plataforma de grande prestígio, que oferece ao artista a projeção necessária junto de programadores nacionais e internacionais. Aliás, foi a visibilidade que alcançámos numa das primeiras edições que participamos, que nos abriu portas à participação no Jerusalém International Choreography Competition, um marco importante na nossa trajetória. Este festival proporciona, sem dúvida, uma oportunidade valiosa para os artistas partilharem a sua visão e estabelecer conexões com artistas e públicos de todo o mundo.
Catarina Casqueiro (C): Eu também diria que a Quinzena de Dança de Almada foi o início de tudo. Foi aqui que apresentámos o Matiik, a nossa primeira peça, e daí começaram a surgir os convites para nos apresentarmos internacionalmente. Sinto que a partir daí nos abraçaram e já vamos para a nossa 4ª apresentação neste mesmo festival que tem vindo a crescer ao longo dos anos.
A simbiose entre dois corpos é frequentemente destacada como um tema central nas vossas criações. Como é que vocês desenvolvem esta relação física e emocional nos duetos? O público pode esperar novas abordagens desta temática ou uma continuação dessa exploração nesta apresentação da 32º edição?
C: A nossa qualidade de movimentos vem da procura por algo que se adequasse melhor aos nossos próprios corpos. Eu e o Tiago conhecemo-nos numa companhia e tínhamos a ambição de fazer algo mais nosso, mais pessoal. Foi nesta sequência que nos juntámos e que começámos a explorar o que nos fazia sentido, mas acima de tudo, o que fazia sentido para o nosso tipo de corpo. Somos os dois muito físicos, da mesma altura – eu um bocadinho mais alta, embora ele se recuse a aceitar [risos] -, com uma densidade muscular muito semelhante e quisemos quebrar os padrões da invisibilidade do homem bailarino. Geralmente é sempre a mulher a ser levantada e a ter um papel de destaque, mas na realidade não tem de ser. E se não existir género? E se formos dois, mas ao mesmo tempo apenas um só? A nossa simbiose de movimento provém também do apoio que damos um ao outro, porque a mistura de duas pessoas também pode ser o apoio das mesmas.
T: Nesta 32.ª edição, levamos a palco uma nova criação, ainda em desenvolvimento, onde exploramos a fisicalidade de uma nova forma. Contudo, a essência da nossa linguagem artística continuará bastante reconhecível.
Já apresentaram o vosso trabalho em palcos internacionais de renome, como o SoloDuo Festival na Alemanha e o MasDanza na Espanha. Como é que essas experiências moldaram o vosso processo criativo ao prepararem-se para festivais como a Quinzena de Dança de Almada? Sentem que adaptam o trabalho dependendo do público?
T: É natural sentir alguma pressão, tanto em festivais de renome como em outros de menor dimensão, pois estamos sempre a promover o nosso trabalho e queremos apresentá-lo da melhor forma possível. No entanto, uma vez que a criação está concluída, os ajustes que fazemos são mais motivados pelo nosso desenvolvimento enquanto criadores. À medida que evoluímos como artistas, as nossas peças também tendem a evoluir, adaptando-se ao nosso gosto e crescimento pessoal, em vez de serem ajustadas especificamente para diferentes públicos.
C: É como o Tiago disse, o nosso processo criativo não se molda por irmos a outros festivais, eu sinto é que aprendemos a ser mais rápidos nos nossos objetivos. Nós pensamos muito no público, não queremos que se aborreçam; não queremos apenas fazer arte, mas sim que o público sinta connosco, que consiga entrar no nosso mundo e não tenha pressa de sair.
Quais foram as principais inspirações e motivações para a criação do projeto “Forget Me Not”, que será apresentado na Quinzena? De que forma esperam que o público se conecte com esta reflexão sobre a mente humana através da dança?
C: Este tema, para mim, tem alguma graça pela forma como foi escolhido, porque, na realidade, estava a viajar e descobri uma flor que se chama Forget Me Not. Como achei piada ao nome, decidi partilhar com o Tiago, que começou logo com as suas pesquisas, descobrindo que esta mesma flor também era o símbolo da associação do Alzheimer. Mais tarde, em conversas com o músico Ricardo Remédios, ficámos a conhecer o trabalho do Leyland Kirby, que é um músico cujo álbum foi inspirado na deterioração do cérebro. Após muita discussão sobre o que faria sentido fazer, chegámos à conclusão de que queríamos criar uma peça que falava sobre a memória e a ausência da mesma e do que seria de um corpo sem a sua mente.
T: Tentamos transportar esta ideia que a Catarina referiu para a dança, conceptualizando o processo de degradação e transformação mental através do movimento. Esperemos que o público se conecte com esta reflexão e se sinta parte desta viagem.
Recordando o vosso percurso, desde colaborações com grandes coreógrafos até ao desenvolvimento do vosso próprio estilo em duetos contemporâneos, como é que essas influências moldaram a vossa identidade artística? A Quinzena de Dança de Almada desempenhou um papel importante no amadurecimento do vosso trabalho?
T: Penso que todos os coreógrafos e colaborações que tivemos ajudaram a construir a nossa própria identidade, até as experiências menos positivas foram importantes nem que seja para nos apercebermos do que não queremos fazer. A Quinzena de Dança de Almada, sem dúvida, teve um impacto significativo no amadurecimento do nosso trabalho, especialmente pelos desafios que nos foram apresentados ao longo da nossa carreira. Um exemplo marcante foi o convite para criar uma peça de 45 minutos, um desafio considerável para um dueto, mas que nos impulsionou a explorar novas possibilidades. Estes momentos de desconforto criam espaço para o crescimento e aprendizagem. Por isso, estamos profundamente gratos à Quinzena!
C: Individualmente falando, sinto-me uma esponja. Sinto que tudo o que vier para me ensinar é bem-vindo e preciso de outras abordagens para crescer e ser melhor, daí dar muita importância também ao trabalho com outros coreógrafos. Isso permite com que cresçamos individualmente e em conjunto. O mundo está cheio de bailarinos e coreógrafos incríveis e sinto que é muito importante termos os olhos abertos para o que se passa para além de nós.
Participar em festivais internacionais de dança contemporânea é uma oportunidade de interação com outros artistas. Como é que essa troca entre criadores de diferentes origens culturais e artísticas contribui para a vossa evolução enquanto coreógrafos e bailarinos?
C: Conhecer outros criadores e ter a oportunidade de ver as suas peças é sem dúvida uma das maiores regalias destes festivais. Poder entrar no universo de tantos artistas e perceber um pouco do seu mundo, faz com que o nosso mundo também se mova, trazendo inspiração e motivação para futuras criações.
T: Eu também acho extremamente enriquecedor observar o trabalho de outros coreógrafos e compreender as suas visões, percebendo como as suas origens culturais influenciam os processos criativos. O contacto com diferentes culturas expande o nosso horizonte coreográfico, permitindo-nos explorar novas abordagens e formas de criar. Além disso, essa troca não só nos enriquece artisticamente, como também pessoalmente, ao conhecermos não apenas a arte, mas também a riqueza cultural de cada indivíduo com quem interagimos.
O público almadense é conhecido por ter uma forte conexão com a arte e com a dança. Vocês sentem que há uma diferença na receção das vossas obras quando se apresentam na Quinzena em comparação com festivais internacionais?
T: Felizmente, sentimos que o nosso trabalho é bem recebido, independentemente do festival. No entanto, há algo de especial em atuar ‘em casa’, na Quinzena de Dança de Almada. O Almadense tem uma forte ligação com a arte e a dança, e essa proximidade cria uma conexão única com o público local. Existe um carinho e uma familiaridade que tornam estas apresentações particularmente significativas para nós.
C: Portugal é casa e não há nada como dançar por terras lusitanas, junto de quem nos conhece. A receção é, e sempre será, muito diferente de todos os outros festivais, no entanto o nosso objetivo é fazer com que as pessoas que nos veem fora de Portugal também se identifiquem com o que fazemos.
O que esperam desta nova edição?
T: A Quinzena de Dança de Almada sempre nos habituou a programas de grande qualidade e diversidade, e acreditamos que esta edição não será diferente. Estamos entusiasmados para ver o que este ano nos reserva, tanto em termos de programação, como de novas experiências e encontros com outros artistas.
C: Temos as expectativas muito altas, porque os programas da Quinzena são cada vez melhores, a cada ano que passa. As pessoas que organizam este festival, para além de pessoas incríveis são também trabalhadoras que investem na dança e é uma sorte tê-las por perto.
Na sua 32.ª edição, a Quinzena de Dança de Almada decorre até 6 de outubro trazendo espetáculos e atividades relacionadas com dança contemporânea, desde a plataforma coreográfica, workshops, encontros, mesas redondas ou videodança. Para mais informações sobre a programação, locais, horários e preços, consulte o site oficial do festival. Este ano, o jornal ALMADENSE é parceiro de comunicação do evento.
Quinzena de Dança de Almada regressa de 19 de setembro a 6 de outubro