Sábado, Outubro 12, 2024
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Uma viagem pela antiga sala de cinema da Academia Almadense

Aquela que foi a maior sala de cinema do país completaria este ano 50 anos. O encerramento, em 2007, deixou o centro da cidade de Almada sem acesso às estreias cinematográficas e muitos almadenses nostálgicos das antigas projeções.

 

É com saudade que Luís Fernando, de 83 anos, recorda o antigo cinema da Academia Almadense, onde ia com a namorada, mais tarde esposa, e depois com as filhas. “É uma pena uma casa daquelas ter fechado as portas ao cinema”, confessa. Era lá “que via todos os filmes, nunca faltava”. Para Luís e para muitos almadenses, a sala de cinema da Academia Almadense “era um espetáculo, não havia outra igual”.

Foi naquela sala que viu “os filmes que retratavam a vivência da época” e os primeiros sonhos de Hollywood, como “Serenata à Chuva”, de Gene Kelly e Stanley Donen. “E passavam também bailados espetaculares, muito longe da violência que vemos hoje em tantos filmes”. Associado da Academia Almadense há 55 anos, para Luís é “uma pena que o cinema esteja fechado”.

A grande sala da Academia Almadense completaria 50 anos em 2024. Inaugurada em novembro de 1974, acolheu durante 33 anos filmes para todas as idades, terreno fértil para a imaginação dos almadenses. Atualmente, a sala é arrendada para eventos, como concertos, teatro ou espetáculos de comédia. “Infelizmente, está no estado em que está, a precisar de obras”, lamenta Luís.

Na memória do associado ficou também o tempo antes da grande sala de cinema: viam-se filmes no “quintal da sede”, também chamado de “esplanada”, onde hoje se situa a sala grande da Academia, e no cinema antigo, que é hoje a sala Osvaldo Azinheira, usada para a maioria das projeções. Naquela altura, não faltava cinema na zona antiga de Almada: também a Incrível Almadense fazia projeções de cinema no Cine Incrível, que durou até 1993. No ano seguinte, em 1994, a Academia Almadense renovou a sua sala, melhorando as condições e chamando mais espetadores.

 

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São muitos os almadenses que, como Luís Fernando, recordam com saudade a grande sala de cinema da Academia Almadense, ímpar no concelho e mesmo no distrito. Durante mais de 30 anos, foi esta a maior sala a alimentar o imaginário cinematográfico da população. Helena Azinheira, atual presidente da direção da Academia Almadense, também guarda na memória os tempos áureos do espaço: “o cinema foi um ex-líbris. Eu continuo a achar que não há sala de cinema como esta, mas hoje não imagino que possa voltar”.

Com 838 lugares, a sala de cinema da Academia era a maior sala do país, o que não impedia que muitas vezes ficasse lotada. “Lembro-me de algumas sessões esgotadas”, recorda Helena Azinheira em declarações ao ALMADENSE. “A sala estava quase sempre cheia”, acrescenta Luís Fernando.

Mas o panorama mudou: o surgimento do vídeo e a abertura dos cinemas no Almada Forum levaram ao fim das projeções da sétima arte na Academia Almadense. Luís Fernando continuou a ir, mas assistia a sessões cada vez com menos gente. “Houve um episódio de que me lembro em que só havia uma pessoa na sala. Perguntaram-lhe se não se importava que devolvessem o dinheiro… Cinema para uma pessoa realmente não fazia sentido”. Depois de vários anos de esforço por parte da Academia, o cinema acaba por fechar portas em novembro de 2007.

 

Falta de público dita o fim do cinema

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O decréscimo de público começou a fazer-se sentir com o aparecimento dos clubes de vídeo, nos anos 90. Agora “ainda é melhor o clube de vídeo lá em casa, com as plataformas de streaming”, afirma a presidente da Academia Almadense, que acrescenta: “a verdade é que se foi perdendo um pouco esse hábito. Quantas pessoas hoje vão ao cinema todas as semanas?”.

“Todas estas situações fizeram com que o cinema aqui deixasse de ser rentável. E foi mantido até para além do razoável, pela persistência de conseguir continuar a ter aqui cinema”, conta Helena Azinheira. Ainda hoje muitos expressam as saudades que têm do cinema, mas a realidade é que não há projeções de filmes na Academia “porque as pessoas não vinham”, conclui. Ao fechar, o cinema da Academia deixou o centro de Almada sem acesso à sétima arte, sendo que agora quem quer ver as últimas estreias tem de se deslocar até ao Almada Forum, que abriu em 2002 no Feijó.

De acordo com Luís Milheiro, jornalista e escritor, até ao fim do século XX, a Academia “nunca sofreu muito. Era uma boa sala, grande, que interessava aos distribuidores”. Este equilíbrio veio a ser perturbado pelo surgimento do cinema do Almada Forum, em 2002. “Ali as pessoas têm tudo”, acrescenta Luís Fernando, “vão jantar, vão ao cinema e ainda fazem compras”. Ao lado da comodidade, os cinemas do Almada Forum apresentam também a vantagem de serem geridos pela distribuidora NOS.

Esta é uma realidade que foi sofrendo alterações ao longo do tempo: antes do 25 de Abril, havia um sorteio para decidir que filmes iam para cada coletividade. Em Almada, sorteavam-se os filmes que iam para a SFUAP (Sociedade Filarmónica União Artística Piedense), para o Clube de Instrução do Laranjeiro, para a Incrível Almadense e para a Academia Almadense. Depois do 25 de Abril, e com a inauguração da grande sala de cinema poucos meses depois, as distribuidoras passaram a ter liberdade de escolha, preferindo projetar os mais emblemáticos filmes na Academia Almadense.

 

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Mais tarde, na época em que surgiu o Almada Forum, “Portugal era o único país em que a principal distribuidora de filmes era a principal exibidora de filmes, a NOS”, afirma Helena Azinheira, que explica as consequências dessa realidade para os cinemas locais: para a Academia Almadense “vinham os filmes que a NOS entendia que podiam vir, e as estreias iam para as suas salas”.

Na sala pequena da Academia Almadense (o Auditório Osvaldo Azinheira) há ainda projeções de filmes pontuais, como é o caso dos festivais CineEco e Monstrinha, sessões de cinema que acontecem apenas quando os filmes chegam à Academia sem custos ou quando têm o apoio da Câmara Municipal de Almada. No próximo mês de maio, a Academia Almadense vai também receber o “Curtas na Margem”, festival de curtas-metragens realizadas por estudantes do concelho.

Desta forma, no centro de Almada a oferta cinematográfica no centro de Almada limita-se ao Auditório Lopes-Graça, no Fórum Romeu Correia, que oferece uma projeção semanal de cinema europeu ou cinema de autor. Na Costa da Caparica, há ainda o Cineclube Impala, que promove a projeção de filmes clássicos no Auditório da Costa da Caparica.

Hoje, ainda há quem defenda que o cinema poderia regressar à grande sala, mas em moldes diferentes, com projeções semanais, matinés aos domingos ou exibição de clássicos. Nos moldes do passado, poucos acreditam que a sala pudesse voltar a funcionar.

 

Ilustrações: Nina Fernande

Fotos: Bruno Marreiros

 

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