Quando soube da intenção de transformar o Ringue das Barrocas num parque de estacionamento, um grupo de moradores pôs mãos à obra para lhe dar uma nova vida. Agora, há aulas de patinagem, torneios de futebol e arraiais que revitalizam o espaço, unindo a comunidade.
O relógio marca 15h30 e o Ringue das Barrocas, em Almada, já se começa a encher de música, dança e muitas rodas. Quem observa de fora, sente a urgência das crianças, que se encontram sentadas nos bancos laterais do ringue, ao pedirem ajuda aos pais para calçarem os patins e colocarem as proteções, para se poderem encontrar com os amigos que já circulam de trotinete no recinto. Do lado oposto, vê-se um dos convidados especiais deste evento: o patinador de inline freestyle, Joazinilto Tavares, também conhecido por “Best” (e atual campeão nacional de free jump), a equipar os seus patins em linha para começar a usufruir da energia do “Gangue das Rodinhas”. No meio do ringue, rodeada por crianças de diversas idades que já percorrem o ringue de uma ponta a outra com as suas rodas, está outra convidada do evento: Madalena Brandão, ou Mad Rollerdance, nome pelo qual é mais conhecida nas redes sociais, com os seus patins e com uma coluna, para dar som aos mais pequenos e treinar a coreografia que mais tarde irá ensinar.
Foi há cerca de um ano que a nova vida do Ringue das Barrocas, localizado na Rua Daniel Filipe, começou. Quando soube que a Câmara de Almada tinha a intenção de transformar o espaço num parque de estacionamento, um grupo de moradores pôs mãos à obra para o revitalizar.
“Queriam transformar o ringue num parque de estacionamento e nós decidimos criar este grupo”, conta Nuno Évora, um dos organizadores da iniciativa, ao ALMADENSE. Juntos, decidiram lutar para “salvar o ringue” e abrir um novo capítulo para as Barrocas: “No próximo ano, este ringue faz 40 anos. Seria triste transformá-lo num parque de estacionamento, até porque este espaço conta muitas histórias. Daqui saíram grandes campeões nacionais como o Luís Figo, que morava nas Barrocas. Destruírem-no seria triste”, acrescenta.
À medida que os minutos passam, o ambiente enche-se com crianças de todas as idades. A mais nova é uma menina de apenas dois anos, que percorre o espaço com a sua trotinete, equipada com um capacete rosa-choque e um peluche de girafa aconchegado dentro do casaco. Pelo ringue, outras crianças exibem patins com estampados de leopardo ou capacetes com picos. Os percursos de patinagem começam a ser montados, enquanto o DJ organiza a estação de som. “Best” e os seus amigos já se juntaram a Madalena para fazerem coreografias ao som de afrobeats. De patins calçados, os adultos juntam-se à diversão e dançam pelo recinto com as crianças. Já se conta cerca de 30 pessoas por todos cantos, onde acontecem diferentes atividades: enquanto alguns aprendem a patinar, outros conversam “sobre rodas”, enquanto os restantes se deixam levar pela música e pelos percursos de patinagem.
Patins, futebol e Santos Populares
Em apenas um ano, o grupo dinamizador do “Ringue das Barrocas”, constituído por cerca de dez pessoas, já realizou diversas atividades para dinamizar o ringue e o ambiente da zona. “O ringue estava muito degradado. Hoje em dia, já tem mais limpeza, porque temos investido bastante nisso. O nosso grupo tem tentado dar algum dinamismo ao ringue com atividades, como o Gangue das Rodinhas, que fazemos regularmente, o torneio de futebol ou o arraial nos Santos Populares. A nossa ideia é dar vida ao ringue e atrair a comunidade para fazer exercício e usufruir do recinto, que é particularmente bonito e aconchegante, uma vez que fica dentro dos prédios”, explica Samuel Carvalho, outro dos elementos do grupo impulsionador da iniciativa, ao ALMADENSE.
Envolvido por quatro prédios, o ringue das Barrocas é agora um lugar cheio de vida. Apesar de ter ainda um aspeto desgastado, o espaço funciona agora como um ponto de encontro para os vizinhos, que traz convívio e animação não só aos que por lá circulam, como a todos aos curiosos que se encontram às janelas, atraídos pela música e pelas atividades. O cenário contrasta com o passado recente, quando o ringue era um local abandonado e sem movimento, recordam Nuno e Samuel. “No início, alguns moradores ficaram desconfiados porque achavam que as pessoas que vinham para aqui só faziam barulho. Hoje em dia, apoiam, vêm à janela, passam por nós na rua e agradecem. Já não há barulho à noite nem drogas. Agora existe outro tipo de movimento”, conta Nuno Évora.
Às 16h, depois do lanche das crianças, o ringue inteiro pára e junta-se no centro para participar na atividade que Mad Rollerdance traz a esta sessão do “Gangue das rodinhas”. Filhos, pais, pessoas de todas as idades, estão prontos para participar na coreografia sobre rodas que cobre todo o recinto. A atividade segue o mote que a iniciativa tem, o envolvimento da comunidade, como existia antigamente: “Quando éramos jovens, havia muitas pessoas mais velhas, do Clube Recreativo Barroquense, que dinamizavam o ringue. Agora chegou a nossa vez de contribuir e fazer acontecer”, relata Samuel. Ao cooperarem para a revitalização do ringue, não só estão a conservar o passado, como a “construir o futuro”, acreditam. No entanto, o futuro ainda precisa de ajuda, ressalvam.
Requalificação para breve
Já sem tinta e desgastados, os muros, as redes e o chão do ringue refletem décadas sem uso e cuidado. Apesar do grupo já ter organizado várias ações de limpeza, o recinto ainda precisa de uma reabilitação mais aprofundada.
Depois de reuniões com representantes da Câmara de Almada e da União de Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas, o plano de requalificação foi aprovado e está em marcha, estando previsto para as próximas semanas a pintura do ringue e das paredes envolventes.
Enquanto aguardam pela renovação do ringue, os moradores aproveitam o que o espaço tem para oferecer. Terminada a atividade dinamizada por Mad Rollerdance, é a vez de “Best” fazer uma demonstração daquilo que melhor sabe: free jump, a última iniciativa do dia. Utilizando o percurso de patinagem e dois caixotes do lixo com uma tábua de madeira em cima, o atleta exibe alguns dos seus melhores truques, deixando todo o rinque ao som de palmas e de gritos animados.
Quando chegam as 17h, os participantes começam a descalçar os patins, a pegar nas malas e regressar a casa. As nuvens escurecem e o vento começa a soprar, trazendo um ar de encerramento ao dia.
Entra os participantes, encontram-se alguns elementos do Estuário Colectivo, uma outra iniciativa comunitária que agrega moradores e que tem revitalizado o ringue de Cacilhas e o espaço envolvente.
Além de ter funcionado inicialmente como fonte de inspiração, o Estuário Colectivo também tem contribuído para o projeto das Barrocas. “Já temos trabalhado em conjunto em algumas atividades”, conta Nuno Évora. “Não somos rivais, somos aliados. Partilhamos ideias e dinamismo com eles”, completa Samuel.
De resto, a experiência poderá até estender-se em breve ao Monte de Caparica, onde também existe uma iniciativa de reabilitação de um ringue. “Hoje o gangue das rodinhas é nas Barrocas, amanhã é no Estuário e outro dia é no Monte da Caparica”, acredita Samuel. “As atividades começaram aqui, mas a ideia é serem flexíveis e podem ser realizadas em vários sítios”, acrescenta Nuno. Desta forma, a iniciativa poderá alcançar ainda mais pessoas e envolver uma comunidade ainda maior. “Juntos, conseguimos fazer muito melhor”, ressaltam.
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