Sábado, Outubro 12, 2024
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Ministra da Habitação aponta “solução à vista” para o Segundo Torrão em visita ao bairro

Oito meses depois das demolições, Marina Gonçalves visitou o bairro da Trafaria onde ouviu as queixas e preocupações dos moradores. “A nossa responsabilidade é garantir que, depois de décadas, somos capazes de encontrar soluções para este bairro”, garantiu a governante.

 

Aos 67 anos, Helena Sousa Carvalho foi das últimas moradoras a abandonar a casa que habitava por cima da vala de águas pluviais cujo risco de colapso motivou o desalojamento de dezenas de habitações no bairro do Segundo Torrão. Depois das demolições levadas a cabo em outubro, Helena foi vendo a maioria dos vizinhos sair, mantendo-se durante oito meses numa casa rodeada de entulho. Só no passado dia 25 de maio se mudou para um T1 no Laranjeiro acompanhada pela filha, doente oncológica. 

Com muitas dificuldades de mobilidade, não se conforma com o facto de lhe ter sido atribuído um segundo andar, “equivalente a um terceiro”, sem elevador. “Subir e descer é horrível. Preciso de mudar para um rés do chão”, conta ao ALMADENSE. Além disso, continua “sem esquentador e sem exaustor em casa” e vai sobrevivendo através de ajudas, enquanto espera por uma habitação definitiva.

Helena foi a primeira moradora a falar com Marina Gonçalves, ministra da Habitação, que esta quarta-feira visitou o Segundo Torrão para conhecer as condições do bairro e falar com os moradores. “Não consigo subir nem descer de minha casa”, contou à governante, que prometeu verificar a situação.

A visita surgiu no seguimento de um convite feito pela associação Cova do Mar, que desde 2016 tem presença no bairro do Segundo Torrão, na Trafaria, onde presta apoio social. Acompanhada pela presidente da Câmara Municipal de Almada, pelo presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) e de outros responsáveis autárquicos, a ministra da Habitação ouviu duras críticas à forma como decorreu o primeiro processo de realojamento, iniciado em outubro de 2022. 

Logo que os representantes públicos chegaram, os moradores pediram a palavra, dando voz às suas preocupações e apelando a soluções de realojamento para o bairro e uma melhoria nas atuais condições.

 

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A visita começou junto à vala de águas pluviais / Bruno Marreiros

 

“O processo foi vergonhoso, mal feito do princípio ao fim. Mais valia ficarem quietos”, afirmou um dos moradores, lamentando a falta de informação fornecida aos habitantes e a forma a forma descoordenada com que o processo decorreu.

“Foi uma situação de realojamento de urgência”, justificou a presidente da Câmara, Inês de Medeiros. “Quando a Proteção Civil diz que há risco de vida, temos que atuar”, recordou. “Mas não desta maneira”, insistiu o morador.

Foi precisamente junto à vala de águas pluviais que se deu uma das paragens iniciais da visita, que depois prosseguiu pelo terreno aberto hoje coberto de pó, areia e entulho, onde outrora assentavam as dezenas de construções demolidas.  

Pelo menos 63 famílias foram entretanto realojadas via programa Porta de Entrada em casas distribuídas pelos concelhos de Almada, Seixal, Barreiro, Moita, Sesimbra e Lisboa. A solução é, no entanto, provisória, uma vez que os agregados familiares serão posteriormente alojados num dos 95 fogos que já têm financiamento junto do IHRU e que estão prestes a avançar, fizeram questão de recordar Governo e Autarquia junto dos moradores. 

 

“Solução à vista” para o bairro
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Vista aérea da zona onde foram levadas a cabo as demolições / André Nóbrega

 

Pouco antes da chegada da governante, uma grua retirava ainda algum do entulho acumulado das demolições, algo que continua a motivar o descontentamento de muitos dos moradores. “Estamos aqui ainda a viver no meio do entulho, com ratazanas à porta”, lamentou Neuza Ferreira, que trabalha num dos cafés do Segundo Torrão e que quis também saber se o resto do bairro, onde vivem ainda cerca de três mil pessoas, também será realojado.    

Esse foi, de resto, o compromisso que a ministra da Habitação veio trazer ao Segundo Torrão. “Este bairro existe há quase 50 anos e agora tem finalmente uma solução à vista”, afirmou Marina Gonçalves em declarações aos jornalistas.

“Esta é uma realidade que temos que mudar, precisamos de garantir habitação digna e é esse trabalho que está em curso”, disse a governante aos jornalistas. “A nossa responsabilidade é garantir que, depois de décadas, somos capazes de encontrar soluções para este bairro que nasceu em 1976”, sublinhou.

 

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Grupo visita a zona em que parte da vala desabou / Bruno Marreiros

 

Organizada pela associação Cova do Mar, a visita teve como objetivo “permitir à população ter esta oportunidade única de explicar as suas preocupações, dialogar” com o agentes políticos, “explicar às pessoas o que está acontecer” e planear a mudança em conjunto, explicou a presidente da entidade, Alexandra González.

A associação, cujo projeto Fábrica dos Sonhos estava instalado numa das construções que foi demolida em outubro do ano passado e que agora conta com um novo espaço na Trafaria fruto de um protocolo assinado com a CMA, lamenta que o processo de realojamento tenha sido levado a cabo com “poucos canais de diálogo” entre o município e os residentes.

Agora, tem “esperança” que esta visita da ministra abra uma nova via de comunicação. “Esperamos que este diálogo ocorra e que as barreiras comecem a ser quebradas. O importante é a comunidade sentir que começa a ser ouvida”, afirmou.

 

Autarquia espera concluir o processo “em dez anos”
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Marina Gonçalves junto a Inês de Medeiros durante a visita / Bruno Marreiros

 

“Demos um período temporal de dez anos para conseguirmos realojar, se não a totalidade, a grande maioria do bairro”, explicou Inês de Medeiros, presidente da Câmara de Almada, durante a visita. Entretanto, com a chegada do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a autarquia espera conseguir “acelerar ao máximo essa estratégia”, disse aos jornalistas, ressalvando que o acesso a habitação será garantido em função do “levantamento efetuado em 2016 e confirmado em 2020″.

Para além dos referidos 95 fogos, a autarca explicou que a Câmara está também a lançar 130 fogos na Costa da Caparica, que servirão para realojamento tanto de moradores do Segundo Torrão como do bairro das Terras do Lello.

Questionada pelo ALMADENSE, Inês de Medeiros adiantou ainda que a Câmara está a “identificar mais lotes para construção” e também numa “negociação com o IHRU para uma permuta de lotes”, com vista à construção de “mais 250 fogos”.

Ao mesmo tempo, a autarquia tem a intenção de “ficar com terrenos na Trafaria. A nossa intenção é manter a comunidade tanto quanto possível. Estamos a aguardar respostas relativamente aos terrenos aqui perto [do bairro do Segundo Torrão]”.

Paralelamente, vai avançar a reabilitação dos bairros Primeiro Torrão e Madame Faber. Será lançado um projeto de reabilitação, que poderá também permitir “aumentar a capacidade”, acrescentou a autarca.

Sobre os fogos em construção no Monte de Caparica, Inês de Medeiros explicou que se trata de uma operação do IHRU para arrendamento acessível. “Não é arrendamento apoiado”, sublinhou. Por isso, o acesso a essas habitações vai depender do rendimento familiar de cada agregado, uma vez que “o arrendamento acessível é para as pessoas que ultrapassam os limites do rendimento apoiado, mas que mesmo assim não conseguem pagar uma renda. É para as pessoas nesse intervalo. Portanto, admito que possa haver pessoas que em termos de rendimento até possam aceder, mas aí os critérios são definidos pelo IHRU”, referiu.

 

Com Mariana Vaz de Almeida

 

Desabou uma parte da vala do bairro do Segundo Torrão na Trafaria

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