Ginastas ucranianas já treinam na Charneca de Caparica
O Vitória Clube Quintinhas, situado na Charneca de Caparica, no concelho de Almada, acolheu três ginastas ucranianas que aqui encontraram a estabilidade e a rotina perdidas durante a guerra.
Foi no dia 15 de março que Miroslava, de oito anos, e a irmã Victoria, de três, chegaram a Lisboa, juntamente com os pais, deixando para trás a sua casa e as memórias de uma vida.
Saídos de Kharkiv logo ao segundo dia de guerra, a família das duas meninas foi acolhida inicialmente na Amadora e rapidamente iniciou a procura de clubes que oferecessem desportos gímnicos. “Na Ucrânia, assim como na maioria dos países de leste, a ginástica rítmica é como o futebol para nós. Faz parte da cultura deles e iniciam-na muito cedo. Por isso, para estes pais, é importante que as crianças continuem o seu percurso na ginástica, até para as ajudar a voltar à rotina”, explica a treinadora Ana Paixão Ferreira ao ALMADENSE. “Contactaram-nos através da conta do clube no Instagram e, com a ajuda dos pais de uma ginasta daqui, a Júlia Madeira, que os acolheu na sua casa, conseguimos que viessem viver para perto de nós. Já estão connosco há um mês”, adianta.
Já Ilariia, de cinco anos, saiu um pouco mais tarde de Lutsk. Vive em Algés com uma outra família de ucranianos e, apesar de ter experimentado um clube de ginástica na capital, foi no Vitória Clube Quintinhas que encontrou a alegria e a rotina de que sentia falta. “A Ilariia está num escalão acima do normal aqui em Portugal porque estava habituada a outro nível de exigência. Na Ucrânia elas treinam todos os dias e começam a competir com quatro ou cinco anos. Por isso, os pais quiseram que ela mantivesse essa rotina e os seus objetivos, daí ter vindo para cá”, explica a treinadora.
Também a família de Ilariia utilizou o Instagram para contactar Ana Ferreira. No entanto, o clube faz parte de uma plataforma criada pela Rhythmic Gymnastics, no início da guerra, que tem como objetivo informar as famílias ucranianas dos diversos clubes de ginástica que existem por todo o mundo e que estão dispostos a acolhê-los. “Assim que soube que havia forma de ajudar, não hesitei e falei imediatamente com a presidente do clube, que me deu autorização para avançar com a inscrição. Não me incomodei nada com o facto de ter mais trabalho com estas três crianças e de não recebermos nada por isso”.
Ana explica que a Federação de Ginástica de Portugal emitiu uma circular em como seria oferecida a filiação à federação, bem como as inscrições em competições nacionais, a todas as ginastas que viessem da Ucrânia e que apresentassem o Título de Proteção Temporária. Seguindo a iniciativa, também o clube da Charneca de Caparica ofereceu a mensalidade de frequentação das aulas às três jovens.
Apesar disso, a treinadora os pais insistem em manter as suas responsabilidades e questionam sobre os pagamentos. “Eles vêm ter connosco e perguntam-nos o que têm de pagar. São pessoas que não gostam de pedir. Mesmo quando perguntamos se precisam de algo, dizem sempre que não. Só quando juntamos algumas coisas e dizemos ‘tirem e usem aquilo que quiserem’ é que acabam por aceitar”, relata.
Ana Ferreira salienta ainda a onda de solidarização que se sentiu no clube. “Assim que informámos os pais de que estaríamos abertos a acolher crianças ucranianas, caso estas viessem, eles uniram-se e ajudaram-nos muito. Recebemos imensos sacos com donativos. Mais do que aquilo que era necessário. Desde brinquedos, livros, malas… Houve pais que, inclusive, compraram coisas novas para lhes darem.”
Desta forma, Ana acredita que, por estarem “todos unidos para o mesmo”, a integração das meninas no clube correu muito bem. “Desde a família da Júlia, que acolheu a da Miroslava, à Kseniya [uma ginasta natural da Bielorrúsia], que apoia com as traduções, todos ajudaram e todos tivemos em sintonia desde o início.” Acrescenta ainda que as meninas se sentem acolhidas e muito felizes. “Chegam aqui sempre com um sorriso. Dão abraços e beijinhos a toda a gente. Nota-se que têm a necessidade de se sentirem amadas. Este clube é como se fosse um refúgio para elas.”
Texto editado por Maria João Morais
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