Estragos provocados pela tempestade dos últimos dias deixaram em sobressalto comunidades dos bairros de habitação precária do concelho. Telhados de chapa voaram e postes de eletricidade caíram, lançando a preocupação entre os moradores.
Têm sido noites de alarme nos bairros da Penajóia e do Segundo Torrão. A passagem da tempestade Martinho por Portugal deixou marcas um pouco por todo o país, e várias têm sido as imagens e relatos que comprovam os danos materiais e humanos provocados pelo mau tempo. Em Almada, a situação não foi diferente, com a Proteção Civil a registar mais de 250 ocorrências no concelho, que dificultaram o trabalho dos bombeiros e das forças de segurança e auxílio no terreno.
Particularmente fustigados foram aqueles que são dois dos maiores bairros habitacionais precários do concelho. O ALMADENSE chegou à fala com moradores de ambos que relataram uma noite de pânico e sobressalto, com várias pessoas a ficarem mesmo sem teto.
“Estou apavorada, moro aqui há 33 anos e nunca vi uma situação destas”, relatou Vanessa Oliveira, moradora do Segundo Torrão, na Trafaria, que ficou sem parte do teto na casa que divide com o companheiro e os três filhos menores. “Começou por volta das 00h10. Começamos a ouvir estrondos muito grandes. No meu caso, por sorte, foi só metade, cinco chapas, mas houve pessoas que ficaram sem telhado por completo, o telhado aqui do lado estava a centímetros da cair para cima da nossa casa”.
Situação semelhante foi vivida no bairro de Penajóia, onde as largas centenas de moradores passaram a noite “em claro”, segundo Esvarena de Sousa, da associação de moradores do complexo. “Tivemos que reunir e ficar acordados de prevenção, caso houvesse algum acidente fatal ou que atingisse as pessoas. Felizmente não houve mas passámos a noite sem tranquilidade”, refere a moradora.
De acordo com informações veiculadas pela autarquia, os estragos provocados pelo temporal puseram em causa partes da rede elétrica e de comunicações do município. Na quinta-feira, à SIC, a Presidente da Câmara de Almada, Inês de Medeiros, dizia que a autarquia se encontra em contacto com as entidades responsáveis por matérias de gestão dos sistemas de comunicação e saneamento. “Estamos a falar com os responsáveis por essa matéria, os responsáveis das telecomunicações, assim como com o responsável da e-redes. Em alguns casos os SMAS (Serviços Municipalizados de Água e Saneamento) também estão todos em campo”, disse.
A informação é corroborada por quem sentiu na pele o pior do temporal das últimas noites. “À noite não se conseguiu fazer nada, sem eletricidade nem rede nos telefones. Só de manhã é que tentámos resolver a situação”, diz Vanessa Oliveira, para quem a ajuda da vizinhança foi essencial. “Cresci no bairro e conhecemo-nos todos uns aos outros. Juntámos os vizinhos e conseguimos aparafusar o telhado e arranjar a eletricidade”.
Também Esvarena de Sousa refere que o levantamento dos estragos “ainda estava a ser feito”, dada a dimensão do bairro, mas adianta que entre os elementos mais fustigados pela tempestade encontram-se famílias com crianças. “Ao meio-dia os vizinhos estavam a repor o teto de uma família que tem crianças pequenas com bebés, um recém-nascido. Houve vizinhos que deixaram o trabalho para poder reforçar o teto por causa da bebé”, diz.
Imagens enviadas ao ALMADENSE por moradores atestam a dimensão dos estragos, com vários lotes a ficarem completamente sem teto e chapas a serem projetadas vários metros. “Tínhamos cabos de alta tensão ao redor da casa, com corrente. Foi assustador”, conta Vanessa Oliveira, acrescentando que a caixa de eletricidade da sua casa chegou mesmo a voar, colocando em causa a segurança da sua família.
“Entre uma demolição e a chuva, qual é a diferença?”
Comum a ambos os relatos ouvidos dos dois bairros foram também as críticas à demora das autoridades em responder às populações. “A primeira coisa que fizemos de manhã foi ligar para a Segurança Social. Disseram-nos que não havia nada a fazer, tínhamos que ligar para a Proteção Civil. Foi o que fizemos, mas pouco fizeram”, conta Vanessa Oliveira, que afirma que os moradores do Segundo Torrão ficaram “horas” sem receber assistência. “Os bombeiros disseram-nos que já sabiam da ocorrência mas estavam cheios de pedidos, sabiam da situação e iam dirigir-se depois ao bairro, mas demorou imenso”.
Na Penajóia, a representante da associação de moradores refere a título pessoal que nem sequer tentou ligar para as autoridades competentes. “Não procurei saber. Depois das últimas demolições, quando tentámos ir buscar algumas respostas, nem mesmo os jornalistas as souberam dar. Já nessa altura houve famílias que ficaram desamparadas”, diz, referindo-se ao recente processo de demolições que deitou abaixo várias habitações no complexo.
Já esta sexta-feira, a autarquia de Almada acionou o Plano Municipal de Emergência de Proteção Civil (PMEPC), em virtude dos danos provocados pela depressão Martinho. “Perante a necessidade de acompanhar em permanência a situação e de adotar medidas de resposta adequadas e urgentes, quer face às ocorrências registadas, quer antecipando o que possa ainda vir a acontecer nas próximas horas ou dias, a presidente da Câmara Municipal de Almada, Inês de Medeiros, decidiu ativar o PMEPC, de modo a garantir a rápida reposição das condições de normalidade em todo o Concelho”, pode ler-se na nota.
Certo é que os moradores ouvidos pelo ALMADENSE nas horas que se seguiram à tempestade dizem não ter recebido qualquer auxílio relevante. “Não vejo ninguém a alertar os moradores para qualquer tipo de situação”, diz Vanessa Oliveira, acrescentando que ela e alguns têm tentado como podem salvaguardar as suas habitações, mas que o medo e a preocupação se mantêm e são exacerbados pela falta de informação. “Caso fique sem telhado não sei o que fazer nem para onde me dirigir. Há chapas penduradas nos cabos de alta tensão que ainda ninguém retirou, há árvores caídas, carros destruídos. Não vejo ninguém no terreno, zero”, critica.
Os problemas maiores são mesmo aqueles que ficaram sem teto e não têm outra solução se não ficar. “As pessoas estão sem teto, mas continuam em casa porque não têm outro sítio para ir”, diz Esvarena de Sousa, justificando a sua reticência e falta de fé nas autoridades. “Vou confiar em quem? Entre demolir uma casa e a chuva, as pessoas ficam na rua na mesma, qual é a diferença?”, justifica.
Fotogaleria: Depressão Martinho provoca queda de árvores e estragos em Almada