Almada produz cada vez mais lixo, mas os serviços não conseguem dar resposta
Mesmo com a recolha diária, que a Câmara de Almada garante fazer, os contentores parecem pequenos demais e o lixo fica acumulado no exterior. A percepção é de uma cidade suja e a cheirar mal.
Perto da meia noite, o barulho chama a atenção dos vizinhos: um camião (que não é o habitual camião de recolha do lixo) tenta virar o balde do contentor de resíduos urbanos, mas sem sucesso. No interior do gigantesco balde, os sacos de lixo parecem estar colados e nada os faz cair. Pelas frestas do balde escorre um líquido em cascata e o cheiro a podre invade o ambiente — as baratas correm freneticamente, deliciadas. O cenário é real, mas apenas um exemplo do que os almadenses dizem testemunhar: a degradação da recolha de lixo e limpeza das ruas nos últimos meses.
Ao fim de uns tortuosos minutos, os funcionários desistem, colocam o balde de volta no buraco do chão, fecham a tampa e arrumam a grua. Os vizinhos estão zangados porque o balde fica por despejar e o cheiro nauseabundo não desaparece; gritam: “Vamos fazer queixa à Câmara”. Os funcionários respondem impotentes: “A culpa não é nossa, é da frutaria”. Ao ALMADENSE vão chegando fotografias e protestos de vários pontos do concelho; os partidos levam o assunto à Assembleia Municipal; o executivo promete soluções, mas reconhece a dificuldade em contratar trabalhadores e apela “à colaboração de todos”.
A culpa atribuída “à frutaria” pelos funcionários, também pode ser testemunhada por quem ali mora: os desperdícios de fruta e vegetais são despejados para o contentor do lixo indiferenciado, quando um melhor destino seria a recolha de resíduos orgânicos e futura compostagem — mas nem os contentores do concelho, nem o ecocentro na Sobreda parecem ter resposta para estes resíduos. As embalagens da fruta, sejam elas de cartão ou madeira, ficam empilhadas à volta dos contentores de recolha seletiva, impedindo até o acesso a quem quer deixar o plástico ou cartão. Por vezes, até as paletes ali ficam.
Questionada pelo ALMADENSE, a Câmara Municipal de Almada (CMA) diz que “o problema reside nos produtores não domésticos que produzem mais de 1.100 litros de resíduos urbanos por dia [o equivalente a nove contentores pretos individuais de 120 litros]. São designados por grandes produtores que tem de ser responsáveis pela gestão dos seus resíduos de acordo com a legislação em vigor”, incluindo recolha e transporte. Se os resíduos não atingirem aquele volume, o armazenamento e deposição continuam a ser da responsabilidade do produtor, mas o transporte é da responsabilidade do município, tal como para os produtores domésticos.
“Os recipientes destinados à deposição de resíduos sólidos industriais, comerciais ou de serviços equiparados a urbanos, são adquiridos pela entidade produtora de acordo com os modelos aprovados pela entidade gestora, por lhes estar vedada a utilização dos recipientes do município”, deixa claro o Regime Municipal de Resíduos Urbanos. Ou seja, restaurantes e comerciantes devem ter contentores próprios. De resto, o regulamento deixa claro que tanto os produtores domésticos como não domésticos devem colocar os resíduos urbanos dentro de sacos de plástico fechados e nunca despejar os resíduos a granel para dentro do contentor. Se o contentor estiver cheio, não deve deixar os sacos no exterior; ou procura outro local ou volta a guardá-lo até que o contentor seja despejado.
“Não diminuindo em nada a responsabilidade da câmara e das juntas [de freguesia], temos de apelar ao civismo das pessoas. O lixo é uma matéria que diz respeito a todos porque é o nosso espaço público. Há uma coisa que é básica: o lixo é no caixote, não é ao lado. Penso que não é pedir muito”, disse a presidente da CMA, Inês de Medeiros, na reunião ordinária da câmara a 15 de julho de 2024.
No caso particular dos biorresíduos (resíduos alimentares e de jardim), a legislação nacional determina que, quando “provenientes de atividades da restauração e industrial, os seus produtores devem separá-los na origem, sem os misturar com outros resíduos”, segundo o artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 102-D/2020 (Regime Geral da Gestão de Resíduos).
Sabendo que os biorresíduos representam cerca de metade dos resíduos (41% alimentares e 9% verdes) que vão parar ao chamado lixo comum, o município de Almada decidiu implementar um sistema de recolha seletiva junto de habitações e estabelecimentos comerciais em alguns – ainda poucos – pontos do concelho. O objetivo é que estes resíduos sejam valorizados, ou seja, transformados em energia ou composto (fertilizante), em vez de ficarem a encher os aterros. “Se todos estes resíduos forem desviados do contentor de lixo comum e devidamente encaminhados e reciclados, a fatura de tratamento destes resíduos do município, paga pelos munícipes através da tarifa de resíduos, pode diminuir em 50%”, lê-se no site da CMA.
Sensibilizar cidadãos e comerciantes sobre as regras do lixo
Uma sanita, um espelho quebrado, um frigorífico sem porta, um colchão manchado e até entulho de obras, são resíduos encontrados com (demasiada) frequência junto aos contentores que deveriam receber apenas os sacos do lixo das habitações. Escusado será dizer que estes resíduos não deveriam ser colocados ali e que representam um perigo para as pessoas, em particular crianças e idosos, e para o ambiente. Junte-se a isto o lixo que é deixado do lado do fora do contentor e que, mesmo tendo estado ensacado, acaba espalhado pela rua.
“A nossa rua encontra-se num estado deplorável, com sacos de lixo espalhados por toda a parte, o que tem causado um cheiro horrível e insalubre. Esta situação está a afetar gravemente a qualidade de vida dos moradores, que se encontram a viver num verdadeiro depósito de lixo a céu aberto”, relata ao ALMADENSE Max Lupascu, morador da Cova da Piedade. E quando não são os sacos do lixo, são plásticos, papeis, latas e garrafas que se espalham pelo chão empurradas pelo vento, deixando as ruas com um ar desmazelado e desagradável para moderadores e visitantes. O município diz que, “no que concerne à varredura das ruas, a mesma está programada de acordo com a sua utilização, existência de áreas de lazer e zonas de comércio”, mas as queixas sobre a falta de varredores e pouca limpeza das ruas são comuns e que têm-se agravado ao longo dos meses.
“Por vezes, a perceção dos munícipes sobre o tema dos resíduos urbanos está relacionada com a existência de grandes acumulações de resíduos depositados indevidamente na envolvente dos contentores e ecopontos e que decorrem principalmente do incumprimento das regras de deposição dos diferentes resíduos e monos”, aponta, em resposta oficial, o município. Essas regras incluem a proibição de deixar o lixo fora do contentor, mesmo que dentro dos sacos, e remexer os resíduos colocados nos contentores. Quanto aos resíduos volumosos ou monos, a recolha deve ser pedida à junta de freguesia ou câmara, que marca a hora e o dia para a recolha (os monos não devem ficar na via pública antes disso).
“Há mais de um mês que não se recolhe o lixo da rua”, queixava-se o morador da Cova da Piedade. A câmara garante, no entanto, que “na maior parte do concelho de Almada a frequência de recolha de resíduos dos contentores coletivos é diária, sete vezes por semana e a frequência de recolha dos contentores individuais é feita duas vezes por semana”. Já em maio, João Ataíde, morador da Costa da Caparica, queixava-se que depois de uma alteração na recolha dos resíduos urbanos, o contentor individual só era recolhido uma vez por semana. Pelas imagens, os sacos do lixo acumulados à volta do contentor eram tantos ou mais do que cabiam no seu interior. “O estado de desmazelo, indigência e risco para a saúde publica é por demais evidente”, comentou ao ALMADENSE. Em geral, “os padrões de higiene urbana da Costa são muito, muito, maus, pese embora a limpeza de arbustos, ervas e lixo feita antes do festival Sol da Caparica”, acrescentou.
A recolha seletiva, efetuada pela empresa responsável pela gestão destes resíduos (Amarsul), depende do tipo de recolha — ecopontos ou porta-a-porta, doméstico oou comércio e serviços – e de quão cheios se encontrem os contentores. “A Amarsul dispõe de software e equipamentos informáticos que permitem analisar o nível de enchimento dos contentores, em tempo real, e que definem os respetivos circuitos de recolha a efetuar em cada dia, de acordo com critérios de eficiência.” Certo é que em muitos locais os contentores enchem rapidamente e os munícipes começam a depositar os resíduos no exterior.
Os municípes podem fazer chegar as suas reclamações e denúncias à CMA através da aplicação “Almada Mais Perto”, disponível no site do município e numa aplicação para smartphone. A aplicação está disponível desde 2017 e recolhe ocorrências relacionadas com a higiene urbana, mas também sobre animais, conservação de espaços verdes, iluminação pública, mobiliário urbano, entre outras. Os utilizadores podem ainda consultar o estado das mensagens enviadas e perceber se estão em tratamento, resolvidas ou se foram encaminhadas para outras entidades, quando a resolução não é da competência do município.
Além dos sacos de lixo acumulados fora dos contentores, há mais casos que esperam demasiado tempo por uma resolução. Uma sanita que esteve mais de uma semana em frente ao supermercado, os móveis e desperdícios de obras que se vão acumulando em locais menos expostos ao longo de semanas, o contentor de uma praça central da cidade (referido no início deste texto) que passou dias a largar um cheiro pútrido ou até papeleiras (caixotes do lixo mais pequenos) que ficam tapadas ou danificadas durante meses até serem substituídas ou reparadas.
A autarquia diz que partilhar a recolha de resíduos urbanos com outras duas entidades — a empresa Amarsul (para a recolha seletiva de plástico, vidro e papel) e as juntas de freguesia (para resíduos volumosos) — torna a gestão mais difícil, sobretudo em períodos de pico de produção de resíduos como é o verão, e com nuances que escapam ao munícipe. Na reunião ordinária do município, a 15 de julho, a presidente admitiu “limitações por causa da transferência de competências [para as juntas de freguesia] onde não houve consenso”.
A recolha de monos e entulhos é uma competência delegada nas juntas de freguesia, reforçou Inês de Medeiros na reunião municipal de 19 de agosto. Neste momento, apenas a junta de freguesia da Costa da Caparica e a união de freguesias da Charneca de Caparica e Sobreda aceitaram o protocolo de transferência de competências. Para a união de freguesias de Caparica e Trafaria, Laranjeiro e Feijó e freguesias urbanas (Almada, Cova de Piedade, Pragal e Cacilhas), a presidente espera que os acordos sejam firmados durante o mês de setembro. Só depois de assinados os protocolos podem as freguesias receber os 80 mil euros que serão acrescentados ao orçamento para a limpeza das envolventes dos contentores e um reforço de verba de 160 mil euros que o município propôs para adquirir equipamento de recolha de monos.
Ao ALMADENSE, a autarquia disse também esperar que a revisão do Regime Municipal de Resíduos Urbanos (o último projeto é de 2015) possa resolver os problemas de higiene urbana — ainda que não tenha explicado como — e assume que é preciso intensificar a fiscalização e apostar na sensibilização dos moradores e estabelecimentos comerciais. “Os funcionários da autarquia estão alertados para a necessidade de fazer cumprir a legislação em vigor” e “as contraordenações aplicadas são já em número significativo”. As coimas podem chegar aos 3.740,98 euros, no caso de pessoas singulares, e aos 14.963,94 euros, no caso de pessoas coletivas. Entre os munícipes também há quem concorde que a responsabilidade não pode ser inteiramente atribuída à CMA e que cada cidadão tem de fazer a sua parte.
Higiene urbana tem dificuldade em contratar trabalhadores
A CMA conhece os motivos do aumento da quantidade de resíduos urbanos: “execução de remodelações e ampliações de habitações com maior frequência e em larga escala, o fator da sazonalidade que se verifica no concelho de Almada e o aumento da população em cerca de 20%, e, principalmente o abandono de resíduos de génese ilegal”. E reconhece que quando há mais resíduos para recolher, também aumenta a quantidade que terá de ser tratada pela Amarsul, a entidade responsável pelo processo. O município diz já ter alertado a empresa para reforçar a resposta e se adequar à nova realidade.
A Amarsul apresenta um quadro ainda mais abragente para o aumento da produção de resíduos no distrito. “A melhoria generalizada das condições de vida das populações, que registou um maior impulso desde a crise de 2010-2014, assim como com o aumento do poder de compra de bens e serviços por parte das famílias, conduz inevitavelmente a uma maior produção de resíduos. No caso da Península de Setúbal, acresce ainda o facto da população ter vindo a crescer nos últimos anos”, conforme resposta oficial enviada ao ALMADENSE.
A empresa de valorização e tratamento de resíduos confirma o aumento de produção de resíduos, especialmente durante o verão, pelo aumento de turistas nas zonas costeiras. Mas acrescenta que toma medidas excecionais para minimizar os impactos da sazonalidade: contrata mais pessoas ou empresas prestadoras de serviços, reforça a frequência da recolha seletiva e acrescenta circuitos (nas praias, concessionários, restauração, comércio e serviços).
Este necessidade de reforçar a resposta em termos de recursos humanos têm-se mostrado mais difícil do que esperado para a CMA. A presidente disse que por terem dificuldade em contratar internamente, a câmara recorreu a empresas privadas, mas também estas estão com dificuldades. Recentemente, o município lançou um concurso para reforçar o efetivo com mais 40 trabalhadores durante o mês de setembro, mas até meados de agosto só tinha tido 27 respostas positivas. Na reunião de 19 de agosto, Inês de Medeiros ilustrou o problema dos recursos humanos com os camiões de lavagem das ruas que estão parados devido à falta de motoristas.
A contração do crescimento populacional em Portugal e na Europa podem justificar uma menor disponibilidade de recursos humanos, segundo análise da Amarsul. A empresa, no entanto, diz que não regista dificuldades na contratação em termos gerais. “Assiste-se sim, a um menor número de candidatos para o preenchimento de determinadas funções, nomeadamente técnicos especializados.” A empresa refere ainda que, entre 2018 e 2024, o número de recursos humanos e viaturas de recolha seletiva aumentou, de 59 para 157 trabalhadores e de 32 para 51 viaturas.
A Área Metropolitana de Lisboa (AML), composta por 18 municípios a norte e sul do rio Tejo (incluindo Almada), “iniciou o desenvolvimento de trabalhos de coordenação e planeamento para a gestão de resíduos sólidos urbanos a nível metropolitano”, que inclui o “aumento substancial das quantidades de recolha seletiva e da valorização orgânica e energética, diminuindo, assim, a deposição em aterro”, lê-se no site da AML. Para cumprir os objetivos nacionais e europeus do Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos 2030 (PERSU 2030), a região “precisa de um investimento de milhões de euros”, mas “não há financiamento relevante conhecido, nem da União Europeia, nem do estado central”. Na reunião municipal, a presidente queixava-se também da falta de reforço de verba por parte do Estado para colmatar, por exemplo, os aumentos salariais.
A ministra do Ambiente, Maria da Graça Carvalho, disse, em julho, que os resíduos sólidos urbanos são um dos “grandes desafios” que Portugal enfrenta, pois os “aterros estão cheios” e é dos países da Europa que menos recicla. “Os nossos aterros estão cheios. Não cumprimos os objetivos europeus, nem aqueles que estabelecemos para nós próprios, e o pior é que a trajetória está a derivar, em vez de convergir com os objetivos, precisamos urgentemente de produzir menos resíduos”, disse a ministra, citada pela agência Lusa.
Enquanto a recolha de resíduos não consegue dar resposta aos contentores cheios e os sacos do lixo continuam a ser abandonados pelo chão como se isso não fosse um problema para todos, as pragas festejam. Não precisará de muito tempo na rua para ver uma barata correr de um canto escuro para outro ou entrar num prédio, e faz figas para que desta vez ela não lhe entre pela janela a voar. As medidas de prevenção são executadas regularmente, mas os pedidos de intervenção mantêm-se. A CMA diz que “a situação está controlada”, mas que “a extinção das pragas urbanas não é possível”.
As fotografias foram cedidas por moradores do concelho de Almada.
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O meu comentário é muito triste: há 9 anos que optei por vir viver em Almada e, como era tudo tão diferente. Há cerca de 2 anos para cá, tudo mudou e é um sacrifício passar a caminhar em algumas ruas, especialmente na GIL VICENTE. É degradante, a sujidade, os pombos, o mau cheiro é tão intenso, que só correndo para não desmaiar. Tinha mais, mas fico por aqui, imploro para que possa ter uma vida feliz em Almada. LIMPEZA, LIMPEZA, LIMPEZA, obrigado.
Existe também uma zona ex: Corvina, Raposeira, Pica Galo que tem lixo há mais de um mês acumulado fora dos contentores. Já foi apanhado uma parte, mas muito ainda há por apanhar e com o vento vai-se espalhando pelas ruas. O mais grave e lamentável é que não existe nenhuma limpeza “varredura” há vários anos nestes locais. Os varredores passam os dias a varrer sempre os mesmos sítios e não percorrem toda a freguesia, porquê? Estes locais também pagam IMI, impostos etc… OS ALMADENSES NÃO MERECEM… HAJA MAIS ESFORÇO E LIDERANÇA…
Sim, há sempre uma desculpa por parte da C. M. de Almada para a prestação do mau serviço. Ou são os cidadãos ou são os comerciantes como se todos estes não pagassem na factura da água a taxa para este fim.
Os comerciantes são os piores. Tenho visto diariamente deixarem o lixo de variada espécie ao lado dos contentores. Se repararem bem, vê-se que esse lixo é dos comerciantes. Enquanto não houver multas pesadas, o problema continua. Metam câmaras de vídeo vigilância.
Moro na trafaria há 50 anos e nunca vi nada como agora. Como já comentaram, varredores de rua não há, o lixo em volta dos caixotes não é recolhido, as ervas e arbustos na estrada do povo da raposeira há meses que não é cortado, ocupam a estrada quase toda. Foi limpo há um mês parte dos caixotes porque vieram fazer filmagens para uma novela, é uma vergonha.
A culpa não é só da CMA, as pessoas são porcas e não têm cuidado. Se o contentor está cheio, não custa nada deixar o lixo por mais um dia ou uma noite em casa dentro do saco fechado. Se a CMA aplicasse as coimas previstas na lei, muitas pessoas já não corriam o risco de deitar o lixo para o chão.